terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sarau Patativa

Procurando por um material que eu havia escrito tempos atrás, para escrever um conto, terminei encontrando uns versos que eu havia escrito para homenagear o grande poeta popular cearense Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré.


Patativa cantou em seus versos simples o seu sertão; a sua gente sofrida. Foi aclamado por todos e está no topo da galeria dos grandes artistas populares que o Nordeste brasileiro produziu.

Patativa nasceu em Assaré, município do sul do Ceará em 1909 e faleceu em 2002.

Meus modestos versos foram declamados pelo jornalista, cronista e poeta Felipe Damo no 26º Sarau Benedito, dia 31 de Março de 2008.

Quero, também observar, que os nomes citados nos versos são de amigos próximos e que são os organizadores do Sarau Benedito.


SARAU PATATIVA


Boa noite minha gente
Que agora vou cantar
Um verso em homenagem
A um poeta popular
Que viveu e morreu Patativa
Em Assaré no Ceará

Não me perguntem quem foi
Que pensou nesse sarau
Não sei se faço mal
Em dizer que foi um plano
Desse que a cada ano
Nós pensamos com vontade
Seja cedo, ou seja, tarde
Quando mais dele melhor

Agora eu tiro o meu paletó
Para recitar esses versos
Simples, mas controversos
Que tanto faz como tanto fez,
Será um de cada vez
Sempre ao gosto da platéia
Vinda da cabeça de quem a fez
Eu louvarei esta idéia


Seja ela do Felipe ou do Rafaelo
Que no mercado é menestrel
E canta tudo sem engano
Não sei a quem a idéia creditar.
Pode ter saído do Seba, pingunço num bar
Quem sabe foi do André
Companheiro de cor e de fé
Que fez nascer esta idéia
De qualquer jeito eu acredito
Que foi um gesto bonito
Desses que a gente se orgulha
E que nele um dia mergulha
De corpo e alma, sem conflitos
Recitando versos que acalmam
Os nossos corações tão aflitos
Nesta noite tão bela
Sob essa luz amarela
De mais um Sarau Benedito.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Deixa pra manhã.















DEIXA PRA MANHÃ

Eu sempre
levei a vida
sem pensar
no amanhã.
E foi, exatamente,
no amanhã,
que eu morri
E nunca mais
pensei nisso.

sábado, 27 de setembro de 2008

Um bruxo nunca morre!

Comemoram-se os 100 anos de morte de um imortal! Mas como?! Pra mim, imortal nunca morre! Em se tratando de um imortal como Joaquim Maria Machado de Assis, tudo é possível, até continuar vivinho da silva, mesmo estando morto há 100 anos! Um privilégio que este Bruxo, como o apelidou o grande poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, no livro “A um bruxo com amor” , estendeu à outros ao fundar a ABL – Academia Brasileira de Letras.


Brincadeiras à parte, vamos ao assunto deste tópico: por todos os cantos deste país, se comemoram os 100 anos da morte deste que é tido como o maior de todos os escritores do Brasil. São mostras, publicações das mais diversas; re-edições para todos os gostos e bolsos; discussões em programas na mídia e em universidades etc.

Agora, vou deixar que ele mesmo se apresente:

“Eu, Joaquim Maria Machado de Assis, morador à rua do Cosme Velho, 18.

Sou natural da cidade do Rio de Janeiro, tendo aqui nascido a 21 de Junho de 1839, filho legítimo de Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Machado de Assis.”

(texto do rascunho do testamento do autor)

Machado de Assis era mesmo uma figura e tanto. Um narrador cativante. Cronista irônico, contudo sutil, cujos textos, recheados de verdades e muitas vezes divertidos, mostravam ser ele um grande observador crítico da vida política e da vida cotidiana do país.

Machado descreveu a sua aldeia e a sua gente como ninguém. Por trás das banalidades corriqueiras contidas em seus romances, evidencia-se a crítica à moral e aos costumes da sociedade burguesa capitalista, de sua época. Claro que, como poeta, Machado de Assis não me parece uma unanimidade. Aqui e ali, não falam bem do poeta, mas o contador de histórias se sobressai de maneira magistral, anulando quaisquer que sejam suas outras deficiências.

Eu, pessoalmente, nunca havia lido Machado na adolescência, por motivos que agora não vêm ao caso. Concordo que muitos dos jovens daquela época não gostavam da experiência, por achá-lo rebuscado e, por conseguinte, cansativo. Posso afirmar que essa também é a opinião dos jovens de hoje. Creio que existem formas de fazer com que se goste de Machado de Assis na idade dos cravos e espinhas. Isso, acredito, caberia aos mestres, mas como os próprios mestres – boa parte deles – não são afeitos ao lazer da leitura... Deixa pra lá!

O que eu gostaria mesmo de falar é que, ao visitar São Paulo, recentemente, fui ao Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz, onde estava acontecendo a mostra comemorativa dos 100 anos da morte do escritor: “Machado de Assis, mas este capítulo não é sério”. Uma exposição rica em material histórico, repleta de alegorias que nos reportam à sua época e à cidade onde nasceu: Rio de Janeiro. Contudo, achei-a menos eloqüente do ponto de vista estrutural, do que outras já exibidas, por exemplo, a mostra “Clarice Lispector – a hora da estrela”, que mereceu, a meu ver, mais criatividade nas instalações. Mesmo assim, gostei do que vi e um dos motivos foi o fato de que maioria dos visitantes era constituída por jovens, sobretudo por jovens negros, que observavam tudo com o maior interesse. Acho que percebi até um certo orgulho por Machado de Assis ser mulato... Um dos poucos heróis afro-descendentes cultuados em nosso país.

Machado foi e será o grande expoente de nossas letras. Um bruxo nunca morre!

Agora, vou partilhar com vocês, um conto do escritor que consta também no folheto que me foi entregue na entrada da mostra. É só seguir o link:

http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/espelho.html

Ah, mas antes, para quem quiser conhecer melhor sobre esse grande autor brasileiro, aqui está uma dica:

http://www.machadodeassis.net/

Boa leitura!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Ligação direta

Pessoal, como eu um dia já fui hóspede dos blogs de amigos meus, nada mais justo que colocar à disposição o meu, para que outros amigos sem blog possam colocar seus textos. Assim, aqui está um texto de autoria de Camila Pimenta, assídua desse modesto blog:



LIGAÇÃO DIRETA

Por Camila Pimenta

Ela recebeu a noticia de que ele ia ligar... Bom, ela não acreditou muito nessa informação, afinal ele estava no outro lado do oceano, no velho continente... E ela aqui... Pensando muito nele nesses últimos dias... Ela continuou duvidando, mas ele foi categórico e confirmou...

- Eu te ligo sim, mas para isso preciso do teu número.

Ela não acreditou e passou rapidinho o número. Isso era raro, já que poucos que moram tão perto dela conseguiram, mas diante de uma voz daquela e sussurrando daquele jeito... Aaah...

- Agora tenho que desligar. - disse ele com uma voz melosa e completou:

- Um beijo bem gostoso...

Ela estava na casa de amigos... Pensando e pensando... A conversa que tiveram a deixou quente, excitada, suando... - Quão sensível eu sou... Ou será é sou uma cadela sempre no cio? – pensou e riu. Ela sabia haveria mais ainda, caso ele liga-se, é claro... Tinha que ir embora para sua casa, correndo!

Ela chegou em casa, correu para banheiro para tomar um banho, para assim conseguir aliviar a tensão ou melhor dizer o tesão que percorria toda a extensão do seu corpo... Ligou a ducha quase fria... Precisava de um choque térmico. Lá fora, um frio de um inverno quase no fim, mas ainda frio... A ducha, muito pelo contrario, só piorou a situação, pois ao se lavar passou as mãos pelo seu corpo, escorreu o sabonete leve e suave... Nesse momento imaginou as mãos dele fazendo esse trajeto... Ficou mais excitada... Decidiu por fim aquela tortura momentânea... Afinal, logo ele ia ligar e ela queria manter todo esse, como dizer, “sentimento” para ele... Ela saiu do banho, foi para quarto se secar... Levou consigo o telefone... Bom, ele poderia ligar a qualquer momento... Olhou o relógio, 23:00hs... Secou-se, colocou uma calcinha que ela jamais usaria pra dormir, mas pensou, “ele merece”, e colocou sua camiseta enorme do Bob Marley.... Adorava essa camiseta, era aconchegante pensava ela e, além do mais, só em pensar que Bob Marley iria presenciar o evento, aumentaria mais sua tesão...

Enfim, olhou de novo no relógio era 23:30hs... Pensou que lá já eram exatamente 03:30hs da madrugada... Ali naquele exato momento ela teve a certeza que ele não ia mais ligar... Por um instante ela ficou fula da vida, indignada, mas contou até três e relaxou... Foi pra sala assistir a um filme onde não viu nenhum sentido... Zapeiou por todos os canais e nada prendeu sua atenção... Poxa, estava excitada e o tesão estava escapulindo de seus dedos (!)... O que fazer. Nada. Rendeu-se, a realidade e decidiu ir dormir...

Na cama, deitada, lembrou que precisava tirar a calcinha, pois não era nada confortável de dormir, apenas era pra ser admirada... Quando se tocou para tirá-la, um formigamento se acelerou entre suas coxas... Uau! Decidiu naquele momento pensar profundamente nele... Não tinha aquela raiva por uma promessa não cumprida. Pensou que ocorreu algo que o impediu de ligar... Então, sozinha, na madruga daquela noite, se tocou, como se fosse ele... Penetrou-se como se ele estive ali, beijando-a, lambendo seu corpo, pegando-a com uma força que ela gostava, fazendo-a pedir mais... Imaginou ele pedindo coisas que só entre quatro paredes era permitido pedir... No auge de sua imaginação, ela sorriu satisfeita com seu alto prazer... Gemeu até não querer mais; urrou como uma loba no cio; molhou-se como quem vê água pela primeira vez e, finalmente, adormeceu com um leve sorriso nos lábios... De manhã, quando acordou, percebeu-se pior do que na noite anterior. Estava outra vez excitada, com muito mais tesão, completamente nua e molhada... Olhou para o teto de seu quarto e se viu sozinha na cama. Então, pensou como se estivesse gritando com toda a força de seus pulmões:

- Desgraçado!



terça-feira, 23 de setembro de 2008

VI Ekoporã - Festival da Primavera

Hoje, em Floripa, mais precisamente no campus da UFSC, fui presenteado com uma pequena amostra da diversidade cultural e étnica de nosso país, que acontecia na Praça da Cidadania daquela universidade. O evento fazia parte da programação da VI Ekoporã – Festival da Primavera – Arte, Cultura, Política. Um festival de cores, graça e muita espontaneidade, trazidas pelas crianças que dele participavam.

domingo, 21 de setembro de 2008

O Ernesto me convidou...

Não foi o Ernesto, mas foi o Pedro Evangelista, grande Palmeirense, que de vez em quanto aparece por Itajaí, vindo da Paulicéia.

O amigo paulistano, quando da minha última viagem por Sampa, me convidou pra ir a um barzinho lá pelos lados da Lapa. Fazia um tempão que eu não ia pr’aquelas bandas. Claro que aceitei o convite do amigo. – Orra, Hélio, o boteco é incrível, meu! Cê vai gostar, eu prometo! Lá fomos.

O local, onde se situava o boteco, era repleto de barzinhos. – Isto aqui é um verdadeiro oásis! – pensei. O bar se chamava Bezerra. De cara, quando a gente chegou, vi projetado na parede de um sobrado em frente “As Panteras”! É, é esse seriado mesmo que vocês estão pensando, com a loira Farrah Fawcett.

O Bezerra tinha um toldo vinho protegendo as mesas em toda a extensão da calçada. A sua fachada era toda descascada, deixando à mostra os velhos tijolos maciços, típicos das construções antigas. Entramos e sentamos próximo à porta. Logo um moço, com mais ou menos uns 30 anos, veio ao nosso encontro. Percebi que ele e o Pedro eram conhecidos. - Maurício, esse aqui é um grande amigo meu lá de Itajaí! O Hélio. – Olá, Hélio. – Prazer Maurício. – Mauricio é o dono daqui do Bezerra. – disse Pedro, não demorando a pedir uma cerveja bem gelada para abrir os trabalhos.

Enquanto, esperávamos pela loirinha gelada, comentei sobre a projeção que saía do bar e ia parar na parede do sobrado do outro lado da rua. Achei a idéia muito doida. Até porque não se ouvia nada; apenas o visual. - Claro, isso é que é o barato da coisa! - pensei.

Finalmente, a bebida aterrissou em nosso campo de aviação e foi logo para dentro dos hangares sedentos. Sede apaziguada, comecei a notar outras coisas na decoração do bar: garrafas de refrigerantes que já não estão mais no mercado, como Seven-Up, Grapette, Crush etc; um móvel antigo, daqueles de guardar louça, dos tempos de nossas avós; ao lado dele, fazendo-lhe companhia, uma cristaleira, cujo interior guardava máquinas fotográficas, máquinas de escrever portáteis e outros badulaques de que agora não me lembro. Ah, em cima dela jazia uma velha TV portátil PB. Não me perguntem a marca que não saberia dizer. Aliás, o que não faltava pelos cantos do bar era TVs portáteis de diversas marcas e rádios.

O Pedro, vendo que eu estava ocupado em observar tudo à volta, resolveu fazer as vezes e pediu duas cachaças. Falou vários nomes até que se decidiu por uma tal de Boazinha, tesouro vindo lá das Minas Gerais. De Salinas, creio. E o Pedro continuou: pediu “Coxinhas do Chefe” para tira-gosto. Uma delicia, por sinal!

Mastiga daqui, dá um gole dali, e o Pedro chamou minha atenção para a escada, bem em minha frente. Embaixo dela, acompanhando os degraus, cédulas de Cruzeiro e Cruzado estavam penduradas por clipes em barbantes, como se fossem bandeirinhas de São João! - Que maravilha! - disse eu boquiaberto diante daquela miscelânea mais que pós-moderna.

Continuamos a beber e conversamos sobre muitas coisas, inclusive, sobre como gostaríamos de ter um barzinho que nem aquele, em Itajaí.

Ah, para quem quiser conferir, o endereço do Bezerra é Rua Coriolano, 778, Vila Romana, que é um bairro no distrito da Lapa.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Do insólito às cegueiras

Vou começar pela exposição da Sociedade dos Pintores do Ângulo Insólito na Experimenta – Arte e Cultura Experimental, na Rua Gumercindo Saraiva, 54 – Jardim Europa, São Paulo que ocorreu de 02 a 13 de corrente mês.

Tive a satisfação de poder apreciar a exposição Jardim do Sorriso Interior. Sem dúvida, fui agraciado com uma mostra das mais interessantes, que envolveu mais de uma dezena de quadros, de formatos iguais - acho que um metro e cinqüenta, por um e cinqüenta, (depois me corrijam se eu estiver errado!) - onde cores e formas se juntavam para criar um universo irreal, lúdico e, é claro, insólito. Os elementos existentes; números; letras, pegadas, flores, cachorros, palhaços etc, davam a sensação de que estávamos num cenário repleto de elementos que iam do primitivismo ao figurativismo sem nenhuma cerimônia. Uma grande “viagem”, portanto. Ah, acrescido a isso, me foi entregue um par de ósculos 3D, para que a minha excursão fosse completa. Decidi apreciá-los duas vezes: uma com os óculos e outra sem. Enfim, valeu a pena ter ido até a Experimenta naquela manhã meio cinzenta, já prenunciando chuva.

Parabéns ao Retta, Rafaelo, Odécio, Patrick e demais artistas envolvidos na exposição. É uma pena que ela não possa ser vista por todos os catarinenses, muito principalmente pelos itajaienses, que, sem dúvida nenhuma, iriam se orgulhar de seus conterrâneos.

Aproveitando a minha estadia em São Paulo, resolvi assistir a dois filmes: um árabe-francês, intitulado “Barakat!”, de Djamila Sahraoui e, o outro, o filme de Fernando Meireles “Ensaio sobre a Cegueira”. Os dois, coincidentemente, falam sobre cegueira, mas cada um ao seu modo.

O primeiro relata um tipo de cegueira muito comum no mundo mulçumano: a do preconceito machista. Barakat!, que traduzido para o português significa Basta!, é uma produção simples que se parece com os nossos filmes dos anos 90, de baixo orçamento. Contudo, o tema é pertinente, nestes tempos de “tudo contra os terroristas”. A narrativa leva o espectador pra dentro de uma Argélia entreguista, onde o fanatismo impera. Nesse cenário, o filme conta a história de uma jovem médica, Amel, interpretada por Rachida Brakni, na busca de seu marido, jornalista seqüestrado pelos terroristas fundamentalistas e uma velha enfermeira, que decide acompanhá-la nessa aventura. Ao longo da jornada, enquanto elas se defrontam com as prepotências e fragilidades dos homens, suas diferenças vão aparecendo e sendo superadas, com o apoio de um camponês viúvo, homem de coração bom que decidiu dizer “Basta!” à aquele universo machista e belicista.

A meu ver, ao utilizar atores que parecem gente comum, a diretora nos leva a crer tratar-se de um filme documental. Sendo assim, passível de falhas em sua estética visual. Se Barakat! não é um filme excelente do ponto de vista de produção, é no mínimo um grande esforço do cinema árabe para falar de preconceito num universo predominantemente fundamentalista. O trabalho de Djamila Sahraoui é um oásis nesse mercado tão repleto de efeitos especiais de computação. Além disso, o filme tem mais um ponto a seu favor: é árabe e dirigido por uma mulher. Já valeu pela proposta.

Quanto ao segundo filme, baseado no sucesso literário do escritor português, prêmio Nobel de literatura, José Saramago, consolida, no meu ponto de vista, a carreira de Fernando Meireles, cineasta brasileiro, já aclamado no mundo pelos seus: Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, filme baseado no romance de John Le Carré. O filme é sem sombra de dúvida uma crítica feroz ao ser humano e sua cegueira. Não a cegueira dos olhos, mas, sobretudo, a cegueira de espírito. A cegueira que cria a mesquinhez, a individualidade, a arrogância. Contudo, a história nos dá um alento, ou nos faz respirar quando nos mostra que há sempre uma esperança. Os atores e atrizes estão muito bem, principalmente, Julianne Moore. Ela se entrega às cenas de forma incisiva. Mostra-se toda, inclusive, me chamou a atenção o fato dela não esconder suas sardas. Natural, portanto. Boas são também as atuações de Mark Ruffalo, Danni Glover, Alice Braga e Gael García Bernal que faz um papel pequeno, porém importante. Um filme para ser apreciado, não só pelos olhos, mas pela alma.

Ah, só lamentei o fato de o filme se parecer com as produções que falam de catástrofes, que os americanos fazem muito bem nas cenas exteriores; ruas vazias, carros virados etc. Já nas cenas interiores, o filme nos aproxima mais dos personagens, como seria de se esperar dessa estética, e ai todos nós ficamos cegos também como os personagens. Assim, seguimos até o fim, sem saber muito bem pra onde estamos indo ou do que realmente somos capazes de fazer com nossa cegueira. Valeu o ingresso!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte...

Amigos, estou aqui em São Paulo e após minhas andanças pelas ruas desta cidade incrível, retornei inspirado a escrever. Assim o fiz. Então, antes de postar "Férias em Peruíbe", vai aqui um conto curto para vocês.


POR NÓS PECADORES,
AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE...


Manhã ensolarada. Domingo. Céu de Deus, dizia baixinho. Olhar lânguido. Boca seca. Um doce – Ah, que delícia! – gritou pra dentro e olhou pros lados com vergonha. Abaixou-se e pediu desculpa. Apanhou um pedaço. Limpou-o nas calças, seguras por suspensórios surrados, ganho da madrinha. Meu Deus, como esse menino engordou!, dizia a mãe, como que praguejando por não conseguir ver crescidos seus próprios peitos. Ninguém os apalpava. Roupas simples, mesmo assim, ele foi pra missa. Rezou. A mãe não quis ir buscá-lo. Sempre que podia, fazia isso e ele voltava depois, sozinho e meio triste. Terminado o sermão, batidas de pé no piso de madeira. Bundas a remexer inquietas. Falatório inconfundível. Que bosta!, disse um imbecil a outro na saída. Ele foi mais uma vez para a sacristia, como quem segue para o, digamos assim, matadouro. A porta fechou-se. Não mais se ouviu a balbúrdia de minutos atrás. Ajoelhou-se, fechou os olhinhos castanhos claros, os xodós da madrinha, mas da mãe nem pensar, ela os achava como os de ratos. A braguilha se abriu e um enorme e cavernoso pau entrou raspando os lados da boca pequena que só conhecia pouca comida, bolinhos de araruta e, é claro, o grande pau sacro. Chorou baixinho, enquanto entoava, como podia e de boca cheia, uma ladainha muito conhecida pela comunidade religiosa do lugar. Levantou-se, ajeitou os suspensórios. As calças eram apertadas e entravam cuzinho adentro, revelando suas rechonchudas nádegas. Uma mão enrugada as alisou. Desceu as calças, ainda sujas de fezes, até os pés – Se limpa direito, peste!... Um gemido ecoou no pequeno recinto. Uma lágrima desceu-lhe o rosto. Procurou o céu, não viu. Uma boca meio torta e velha sorriu-lhe. A mão enrugada foi estendida. Um ósculo sob as vistas do Senhor Jesus. – Deus o abençoe! O ânus ardido em sangue era tudo o que tinha, além de bolinhos de araruta. – Que bom homem! E você não quer ir à missa... Peste, ingrato! – dizia a mãe, enquanto enchia a boca, não de espermas, mas de açucarados bolinhos de araruta. Vidinha jogada fora. De fora para dentro. Um pecado sem perdão e dois homens destruídos para todo o sempre, amém.


terça-feira, 9 de setembro de 2008

Férias em Peruíbe

Caros amigos, estou fazendo alguns ajustes para publicar mais um conto que terá 4 laudas. Claro que terei que dividi-lo em partes. Trata-se de um drama cujo tema será a tortura nos anos de chumbo e tem como título: “Férias em Peruíbe”. Aguardem!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A entrevista



A ENTREVISTA


Ele estava sentado numa mesa isolada. Sobre a mesa um copo americano com cachaça. Ela chegou. O reconheceu. Pediu licença e se sentou. Ele deu um gole na marvada e depois acendeu um cigarro dos mais baratos. Ela sentiu a fumaça na cara. Tossiu depois pegou um caderninho e uma caneta e ficou a olhá-lo.

- O quê? Que quê foi?

- A entrevista.

- Ah, sim, tá bom. Inda bem. Pensei que tava querendo tirar uma de minha cara. Comigo num tem lero-lero, não. Num tem conversa. Sou curto e grosso. Direto, sem frescura. Quer saber o quê?

- Quero saber...

- Qual é a transa, é? Olha, transa pra mim é foda, mesmo. Fazer amor? Porra, nenhuma, cara! Quem faz amor é escritor de novela, porra. Beijo? Quer sabe o que eu acho de beijo na boca, quer? Comigo num tem esse negócio de beijo na boca, não, cara. Tem que babar é o pau, mesmo! Sexo oral é discussão entre dois poetas enrustidos! Sexo anal? Até tenho vontade de rir, cara. Olha, sexo anal pra mim é pau no cú e sem vaselina. Ali, direto, doído! Educação? Que é que é isso? Isso é coisa de fresco... Mãe? Num tenho... Pai, nem sei. O quê, se eu compro a vista? Claro que não, cacete. Quem compra a vista é afeminado! Eu compro a prazo e num pago as prestações! Se quiser que mandem a conta pro SPC. Rezo pra quem?! Porra nenhuma, meu. Olha, puta pra mim é santa e santa... Quê? Qual é meu drink? Minha irmã! Quem bebe drink é ex-seminarista... Hum? Num entendi... Uísque? Num me faça rir, caralho. Eu só bebo cachaça, e das mais baratas e com uma malagueta como tira gosto. Por falar nisso... Num uso cueca não, senhora. Comigo o pau tem sambar nas calças, sacou! Tipo lutador de boxe antes da luta... O meu Mohamed Ali quer é liberdade! Sou grosso sim, já disse! Olha, num vou repetir mais hein! Floris é o caralho, porra, já falei que se disser meu nome completo, tu vais levar um pau na fuça! Até eu num consigo falar esse nome de veado... Vou repetir só dessa vez... Meu nome é VALDÃO, porra! Vamos parar com esse papo boiola. Vamos nessa que eu tenho uma mulher pra jantar... Entendeu, né? Hehehehe! Mas antes tenho que derrubar um barro primeiro. Tô com uma caganeira da porra! Se brincar, faço ali, na igreja, no confessionário. Então, tá. Faço na praça mesmo. Vamos nessa... Vai na frente, que quero ver se tu tem uma bundinha comível... Quê? Num falei nada! Bundinha comível? Ah, é que... Sabe como é num sô um cara exigente, não. Meu lema é pau dentro sem olhar onde e quem! Vamos lá, gostosa! Quê? Num falei nada, não... Vai indo, vai indo...

Hummm... Num é que tu levas jeito, mina! Hein?

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O menino e a peixeira

O MENINO E A PEIXEIRA

O ar estava quente, mas não insuportável. Aliás, abafado é a palavra correta para descrever aquele dia, agora tão longínquo para mim.

Eu estava ali escondido, em silêncio, suando, a observar aquela cena. Meus olhos brilharam de encantamento e meu coração quase veio à boca de tanta ansiedade com o inusitado espetáculo que se desenrolava à minha frente.

A faca peixeira saiu da bainha fazendo um barulho estranho, como se fosse um piar de ave de rapina procurando sua presa. O brilho de sua lâmina refletiu uma imagem difusa e distorcida do ambiente e, também, o reflexo de quem a empunhava. Então, escutou-se um barulho cortando o ar: zip! Não se ouviu gemido ou grito de dor. Apenas o barulho da peixeira cortando o ar e entrando carne adentro. A faca peixeira, com o impacto, provocou um corte que deixou esguichar o líquido carmim escuro tão essencial à vida. Exalou um cheiro acre de sangue quente, que tomou todo o ambiente.

A lâmina foi retirada quase na mesma velocidade com que entrou. A carne, em vez de contrair-se, fechando a fissura, ao contrário, escancarou-se, fazendo com que o sangue descesse em quantidade maior do que antes. No chão, formou-se uma poça à qual as moscas logo acorreram, vorazes, sequiosas.

Veio outra estocada e a lâmina da faca peixeira entrou certeira, mais fundo, no corte já anteriormente aberto. A faca desceu cortando pra baixo em linha reta, deixando expostas todas as vísceras. A mão, de veias salientes e de calos rijos como pedra, era de um homem velho e trabalhador. A mão deixou a faca peixeira de lado e enfiou-se corte adentro, como um réptil à procura de uma presa na toca, esmagando as entranhas e trazendo pra fora as vísceras ainda quentes. Os miúdos despencaram sobre a poça de sangue de onde agora escorria um pequeno riozinho, espanando as sequiosas moscas que voaram para todos os lados. Excitamento e prazer tomavam conta de mim ao ver tudo aquilo acontecendo como se presenciasse um ritual bárbaro às escondidas.

Depois daquele dia, meu pai nunca mais pode voltar ao trabalho no velho açougue do bairro. O pobre homem teve um derrame que lhe paralisou metade do corpo.

Resignado com o seu estado, convidou-me para ser seu substituto no açougue, mas, para sua surpresa e decepção, eu não aceitei o encargo. Não me perguntem, pois até hoje não sei dizer o porquê de minha recusa, já que eu adorava vê-lo esgarçar músculos e nervos com sua afiada faca peixeira. A minha resposta deixou-o triste, amofinado. A partir daquele dia, meu pai nunca mais falou comigo e decidiu vender o açougue.

Um ano mais tarde, depois de ter fechado o seu estabelecimento, ele faleceu, deixando-me como única herança a sua faca peixeira.

Alguns anos se passaram. Eu decidi correr chão pelo mundo afora. Amei dezenas de mulheres; as putas e não putas. Odiei e me deixei odiar. O meu primeiro trabalho não durou muito. Foi rápido e limpo. O instrumento que escolhi foi a faca peixeira que meu pai me deixou. A propósito, o pagamento foi muito bom, tendo em vista ter sido aquele o meu primeiro serviço.

Resultado disso foi que eu peguei 15 anos de cadeia. Cumpri 13 e, dentro de dois anos, deixarei a casa de detenção para, quem sabe, abrir um negócio. Talvez um açougue, como queria o meu saudoso velho...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O escritor e o La Bodega


O ESCRITOR E O LA BODEGA

Eram quase sete horas daquela tarde de verão, quando o navio entrou na foz do Itajaí. Eu já estava preparado para desembarcar. Fui para o convés observar a manobra do navio direto pro píer de ancoração. Olhei em volta e vi a cidade se descortinando à minha frente. Pude distinguir, ao longe, uma elevação com antenas e uma edificação parecendo um forte, além, é claro, de uma cruz. Mais adiante, vislumbrei, majestosa, uma linda e iluminada ponte que ligava Itajaí à cidade vizinha, do outro lado do rio, Navegantes.

Não demorou e o navio foi colocado pelos rebocadores em seu devido lugar. Depois dos procedimentos de desembarque, fui apresentado, pelo imediato do navio, a um senhor chamado Carlos Damo, um tipo atarracado, de uns 50 anos, mais ou menos. Ele iria me levar ao hotel. Apresentamo-nos e ele, muito simpático, quis levar a minha bagagem, mas eu não aceitei e agradeci. Fomos direto para um carro estacionado logo na saída da alfândega.

No caminho, Carlos me perguntou se eu não estaria interessado em fazer um programa na noite. – Itajaí é a nossa Las Vegas do Sul! Disse com uma pitada de orgulho. Eu lhe perguntei quais eram as opções que a cidade oferecia e ele saiu me debulhando nomes de bares e restaurantes e boates que nunca mais acabavam. Perguntei se não haveria um lugar onde eu pudesse comer e beber sossegado, ouvindo uma boa musica ambiente e, é claro, sem ser incomodado. Ele pensou, pensou e perguntou qual era a minha profissão. Eu lhe falei que era escritor e que estava querendo conhecer a região, na qual Itajaí se destacava pela diversidade cultural e pela fama de ser um reduto dos artistas. Aí ele não demorou a me falar o nome do lugar: - La Bodega! – disse com entusiasmo e continuou: - O senhor vai gostar! È um lugar muito bacana, mas só se o senhor não for... Como eu posso dizer... Um anti-socialista! – disse ele, esperando minha resposta. Eu então lhe falei que havia gostado do nome do lugar e que não era uma pessoa reacionária. Em seguida, seguimos direto pro hotel.

Finalmente, depois de rodarmos por ruas e avenidas, chegamos. Hotel Gertrude, era o nome. Despedimo-nos e ele ainda disse antes de ir embora: - O senhor vai gostar do La Bodega. O dono é um gente-fina, que é fã das coisas cubanas. - Então é um bar cubano? - perguntei. Ele então disse: - Não, é um bar muito socialista, legal, que agrega todos democraticamente e tem Cuba como referência. Boa noite! Ele se foi e eu fui direto pro balcão fazer o check-in.

Duas horas depois, já trocado, desci e pedi ao gerente do hotel que me desse o endereço do tal La Bodega, o que ele fez de imediato. De posse do endereço, me mandei de taxi até o local, que não era muito longe do hotel.

Demoramos a chegar porque pedi ao taxista para dar um passeio na avenida que beirava o rio Itajaí. Era um cais bem iluminado com pequenas pracinhas a cada 100 metros, onde as pessoas locais passeavam e observavam o rio correndo direto pra sua foz. Pedi ao taxista para dar uma parada em frente ao prédio que parecia ter sido um mercado. Em frente à velha edificação, havia uma praça que dava direto para o rio. Desci e fui até lá. Corria uma brisa gostosa. Um barco do tipo gaiola, daqueles que existem no Mississipi, corria por baixo daquela mesma ponte que já tinha me impressionado na chegada. Achei aquilo uma maravilha e disse pra mim mesmo: - Essa gente é mesmo privilegiada em ter um rio desse porte passando em suas vidas! Ao reparar em seus semblantes, elas pareciam gostar de apreciá-lo. Voltei para o taxi e fomos direto pro La Bodega.

Ao chegar, havia uma pequena movimentação na entrada, nada que pudesse tirar a tranqüilidade aparente do local. Fui entrando. Lá dentro, o ambiente era bem aconchegante. A iluminação, intimista, não incomodava. Havia várias mesas ligadas às paredes com bancos um de frente pro outro, pra duas pessoas cada. Nas paredes, havia painéis do teto ao chão, com imagens da revolução cubana. Pequenos quadros sobre o cotidiano de Cuba enfeitavam as paredes verde-oliva. Lá no fundo, havia um balcão largo, serpenteado por banquinhos altos. Nas prateleiras, garrafas e livros se misturavam numa bibliobar inusitada, onde Neruda e Havana Club eram vizinhos.

Os atendentes, todos de preto, com os aventais estampando a marca do La Bodega, se movimentavam sorridentes. Um deles veio em minha direção: - O senhor quer ficar no balcão ou em uma mesa? - Quero ficar no balcão. Então, ele me guiou até o balcão onde eu escolhi um lugar no canto, próximo aos sanitários. Lá, eu poderia ver o movimento de todo o salão. Ele prontamente chamou o barman, mas antes eu quis saber o seu nome e ele disse que se chamava Seba. Ele era o gerente do lugar. Pediu licença e foi atender um casal numa mesa do salão.

O barman se aproximou e disse: - Seja bem vindo ao La Bodega. Nossa casa é sua casa! Um sorriso discreto meu lhe disse “obrigado” e lhe pedi o cardápio, que estava bem na minha frente e eu não havia visto! Sorri discretamente e o deixei de lado. Pedi um mojito e um prato pra acompanhar, mas que fosse uma sugestão da casa. O barman então me sugeriu pedir um “Porco a Lá Bodega”: pedaços de porco fritos, que, tal qual a picanha, tinham um filete de gordura, com rodelas de banana verde frita e cebola roxa. Eu pensei por uns instantes e, finalmente, dei o “okay” ao pedido. Ele se foi, me deixando a observar o lugar.

Não pude deixar de ouvir a música de fundo que fazia o som ambiente: era Iliades Ochoa cantando “Em Casa de Pedro El Cojo”, seguido depois por Rubén González ao piano com “Pueblo Nuevo”. Quando o mojito chegou, perguntei ao barman se havia charutos ou cigarrilhas. Sabia que o tabaco havia sido banido dos locais públicos e fechados no país, mas quem sabe num pedacinho de Cuba... – Senhor, só vem aqui quem sabe o que fumar significa e os perigos que causa. Assim, o senhor terá que assinar essa comanda, aceitando estar aqui sabendo dos riscos que está correndo. Se o senhor se recusar, infelizmente, não poderemos atendê-lo. Claro que assinei. Ele sorriu e foi buscar uma lista com marcas diversas de charutos e cigarrilhas: havia cubanos e nacionais de todos os tipos. Peguei um charuto cubano chamado Quintero. O moço correu pra acendê-lo. Dei um trago e pude ver que realmente rum, hortelã e charuto combinavam.

O “Porco a La Bodega”, finalmente, chegou e era mesmo uma maravilha. Chamei o Seba, o gerente. Ele veio mais que depressa. Dei parabéns pelo porco e perguntei-lhe se o dono estava. Ele me disse que o mesmo havia ido até Recife visitar a família e só estaria de volta dali a dez dias. A nossa conversa foi interrompida com alguém falando num pequeno tablado de madeira que havia no lado oposto ao meu, avisando que iria começar um sarau literário. Muitos jovens se apresentaram naquela noite com poemas de suas autorias e de autores famosos e, para minha surpresa, declamaram um meu! Permaneci anônimo até ir embora mais tarde, depois de cinco mojitos e de conversar com uma gente cheia de vida e muito inteligente. Apenas revelei ser escritor, para o gerente que me disse que gostaria muito de escrever um livro. Fui o último a sair do lugar e fomos, eu e Seba, pelas ruas de Itajaí até o hotel, onde ele se despediu e foi embora.

Agora, passados alguns anos, acabo de receber, pelos correios, o livro “O escritor e o La Bodega”, autografado pelo gerente e também escritor, Seba.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O riacho de Jacinta



O RIACHO DE JACINTA

Naquela manhã, como fazia desde menina, Jacinta foi se banhar nas águas do riacho perto da fazenda. Aquela não era uma manhã como as outras. Quando Jacinta se levantou para o desjejum, sentiu alguma coisa diferente em seu corpo. Uma coisa sobre a qual ela pensou falar com Joana, sua ama de leite, mas decidiu ficar em silêncio e experimentar, ela mesma, o que era aquilo. No seu entender juvenil, era uma estranha quentura a correr lhe por todo corpo e um gosto agridoce no céu da boca. Um gosto que lhe fazia salivar a todo instante. Deste modo, sentindo-se diferente, Jacinta saiu para o seu banho matinal. Ela ainda ouviu a velha Joana a dizer-lhe: “Num fica muito tempo n’água que tu resfria, moleca!”. Depois, Jacinta não ouviu mais nada, a não ser as batidas de seu coração ansioso por chegar ao lugar que mais lhe dava prazer: o riacho.

Finalmente, Jacinta chegou ao local. As margens do riacho eram todas cobertas por uma relva rala. Aqui e ali havia touceiras e touceiras de capim. As águas corriam mansas. Essa tranqüilidade só era interrompida pelos vôos rasantes dos pássaros pescadores e pelos ziguezigues que pairavam no ar, como pequenos narcisos alados a mirar-se nas águas do riacho. Vez por outra um peixe prateado subia à tona, como quem quer saber das novidades lá fora, e depois voltava ao seu mundinho.

Como sempre, Jacinta tirava o vestido pela cabeça. Ela não usava calcinhas e, muito menos, sutiã. Seu corpo de menina-moça, parece que tinha sido esculpido a mão por um artesão que após terminar sua obra ficara cego como castigo para não ver sua obra prima.

Quando a cintura do vestido de chita passou pelos seus peitos, esses se empinaram e voltaram como se fossem de borracha. Eles pareciam frutos por amadurecer. Jacinta jogou o vestido na relva e correu até as águas, que a receberam de bom grado, o que também fariam os gajos da vizinhança, se tivessem os mesmos privilégios.

Jacinta afundou e depois ressurgiu como uma sereia à flor d’água. Seus cabelos castanhos, molhados, agora se tornaram negros e brilhantes refletindo a luz do sol escaldante daquela manhã. Jacinta chacoalhou-os de um lado ao outro, respingando água ao seu redor. Ela sorria alegre, esbanjando todo o viço das mulheres de sua idade. Os seus dois frutos quase maduros batiam sobre o lençol d’água causando marolas que partiam em todas as direções conclamando que ali estava a se banhar uma deusa.

Jacinta voltou para margem e deixou-se jogar sobre a relva. A oleosidade de sua tez impedia de absorver toda a água sobre o seu corpo no qual os pingos pareciam casinhas redondas de vidro, indo e vindo. Seus pentelhos, negros, lisos, sedosos, espalhavam-se sobre a sua vulva, deixando suas formas à mostra como se fosse uma moldura barroca.

Jacinta respirou fundo e fixou seus olhos castanhos, que mais pareciam dois seixinhos que ela havia tomado emprestados daquele riacho, mirando-os em direção ao céu anil. Alguns pássaros sobrevoavam em algazarra. Um macho saiu da formação e perseguindo uma fêmea, procurando acasalar em pleno vôo.

Depois, Jacinta fechou os olhos como quem faz um pedido em pensamento. Levantou-se e correu outra vez para água, mergulhando tal qual um peixe. Quando ela subiu a flor d’água, tomou um susto ao ver olhando pra ela, um rapaz. Jacinta baixou-se até a água tocar-lhe o pescoço e depois o fitou sem medo.

Algo no moço lhe chamava a atenção. Ela não sabia bem se era o seu rosto diferente em forma de concha ou a sua pele, que brilhava sobre os raios de sol como se fosse feita toda de prata. Jacinta continuou mirando-o. Ele, por sua vez, aproximou-se dela devagar a olhando fixamente. Jacinta não se intimidou, muito pelo contrário até esboçou um sorriso. O rapaz correspondeu com outro sorriso e se aproximou mais, até que ficou a meio palmo de seu rosto. Jacinta não disse nada, apenas consentiu. Ninguém havia ficado tão perto dela assim. Quer dizer, apenas a Dengosa, a sua vaquinha de leite e o seu vira-lata Dudu, cujas lambidelas talvez fossem a causa de seu rosto liso e sedoso.

O moço então foi afundando devagarzinho na água. Jacinta esperou, deu um sorriso e voltou a esperar que ele retornasse à tona. Não demorou, ele emergiu, olho-a e voltou a afundar outra vez. Ele ficou um tempão em baixo d’água, tempo suficiente para que Jacinta desse um jeito nos seus longos cabelos, entrançando-os e jogando-os de lado. Depois ela esperou. Finalmente, o moço subiu, sorriu para ela com um sorriso que foi de um canto ao outro canto de sua boca estranha! Emitiu um som de quem parecia estar gargarejando água, sal e limão. Em seguida, o rapaz afundou forte por baixo de Jacinta, que deu um grito de prazer. Prazer esse que jamais ela experimentara em toda a sua vida. Deu mais outro grito e mais outro...

Assim foi por muitas manhãs de sol quente e céu limpo até um dia em que Jacinta saiu pro riacho e nunca mais ninguém soube de seu paradeiro.

terça-feira, 2 de setembro de 2008