domingo, 31 de agosto de 2008

Um conto delicado



UM CONTO DELICADO


Lá fora, a chuva castigava a noite. Os dedos delicados desenhavam no vidro da janela margaridas, cujas pétalas, uma a uma, iam sendo apagadas depois. Uma luz brilhou sobre a janela; um carro se aproximou e depois desapareceu por baixo dela, como que engolido pela casa. Imediatamente, Lindalvo se meteu na cama, levando com ele seu segredo: uma boneca de pano! Era notório seu temor. Até mesmo seus brinquedos pareciam sentir o mesmo que ele. Ouviu, como em todas as vezes que seu pai chegava, discussões acirradas que vinham do andar de baixo. Pôde ouvir seu pai dizer pela enésima vez: “Cadê aquele inútil? Aquela sua bonequinha de porcelana?!”, seguido de sua mãe: “Não fale assim de seu filho!”, e ele, voltando ao ataque: “ Meu não!” . Sabia que seu pai havia bebido mais uma vez e, caso estivesse de pé àquela hora, iria apanhar também. Gritos abafados seguiram-se noite adentro.

Embaixo da coberta, Lindalvo começou a chorar. Um só pensamento invadiu-lhe a mente e ele resmungou baixinho, aos soluços: “Vou embora para sempre desta casa! Eu prometo que vou!”.

Fazia algumas horas desde que seu pai chegara, e ele não conseguia conciliar o sono, quando um som diferente chamou sua atenção. Vinha do fim do corredor. Lindalvo levantou-se e, nas pontas dos pés, foi checar. Abriu a porta com todo cuidado e seguiu o barulho. Vinha do quarto de seus pais! Lindalvo tremia. Mesmo assim, tomado de coragem, chegou bem perto da porta e espreitou através do buraco da fechadura: O que Lindalvo viu deixou-o petrificado. Seu pai estava ajoelhado na cama, enquanto sua mãe estava de quatro. Ele a penetrava por trás. Ela gemia e urrava de prazer, enquanto ele murmurava palavras desconexas. Lindalvo, horrorizado, correu imediatamente pro seu quarto. Fechou a porta e meteu-se outra vez embaixo da coberta com sua boneca de pano.

No dia seguinte, durante o café da manhã, Lindalvo presenciou mais uma discussão feroz entre sua mãe e seu pai. Esta culminou num comentário que o marcaria pra sempre e selaria a sua decisão de ir embora de casa; “Você que pariu essa aberração que cuide dele!”. A mãe de Lindalvo caiu em prantos, ao mesmo tempo em que tentou retirar Lindalvo da cozinha onde faziam o desjejum. O menino agarrou-se à saia da mãe, tentando se proteger. O pai saiu batendo a porta, enquanto sua mãe continuava em prantos, agarrada a Lindalvo.

Durante a noite, mais uma de chuva torrencial, Lindalvo preparou-se para cumprir o prometido. Pegou algumas mudas de roupas e sua boneca, colocou tudo dentro de uma maletinha que havia ganhado de sua madrinha e esperou, todo arrumado, embaixo da coberta. Não demorou muito, ouviu alguém se aproximando. Era sua mãe. Ela abriu a porta e checou se ele estava dormindo. Lindalvo não se mexeu. Ela fechou a porta e foi pro quarto. Seu pai havia chegado tão bêbado que desabara na cama. Não houve mais nenhuma discussão naquela noite e muito menos gemidos ou palavras desconexas.

Lá pras tantas, madrugada alta, Lindalvo saiu do seu quarto com sua maletinha e foi em direção ao quarto dos seus pais. A porta estava entreaberta. Tomado de coragem, ele respirou fundo e entrou. Aproximou-se da cama, onde os dois estavam ressonando, inclinou-se e beijou a sua mãe, deu a volta e depois beijou o pai na boca e disse: “A partir de agora você não será o único homem que beijarei na vida!”. Lindalvo cravou-lhe, no peito, a faca que pegara na cozinha. O pai apenas deu um gemido e um último suspiro. O menino olhou para sua mãe e ficou na dúvida se ela estava mesmo a dormir. Depois, deixou o quarto, o corredor, a escada pro andar de baixo, a sala, a porta da frente, o jardim, o portão e ganhou a rua e a vida.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Poesia com Creta



POESIA COM CRETA

De longe, ela parece um bolo
Com suas casinhas todas amontoadas
Umas sobre as outras entre rochas.
Rodeada por um azul turquesa gelatinoso.
De perto, ela parece mais um sonho.
Cujos heróis tombaram sobre seu chão.
Tantos a fizeram mais que bela e famosa.
Como Teseu, nascido de Egeu
Que enfrentou no labirinto o Minotauro.
Teseu vigoroso, belo tal qual Hércules.
Dela, Zeus olhou para o mundo
E ao vê-lo, um dia bradou seu nome
Tão alto e tão forte que sua voz chegou
No outro lado da terra.
“Creta!”

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Diga com quem tens andado que te direi quem é essa pessoa!

Logo após a minha chegada a Recife, marquei com um grande amigo meu, Sérgio Teixeira, para matar as saudades. Seria a hora do almoço, já que ele só teria esse tempo disponível. Fomos almoçar e eu só retornei ao hotel às 5:50 do dia seguinte! Logo lembrei ter escrito alguma coisa com um tema correlato. Procurei, procurei e achei-o, finalmente. Aqui está ele como uma homenagem a amizade.

PS: Nada pessoal, Serjão!


DIGA COM QUEM TENS ANDADO
QUE TE DIREI QUEM É ESSA PESSOA!


Era bem tarde quando bateram em minha porta. Não vi exatamente que horas eram, mas sei que era tarde.

- Puta merda quem será?!

Levantei-me e fui até a sala, ainda meio zonzo de sono, coçando a bunda. Quando abri a porta tomei um susto!

- Pelas barbas do Enéias!

Quem estava em pé na soleira do meu moquiço era eu, bêbado, segurando uma garrafa de vodka e fumando um charuto. Perguntei-me meio cambaleante:

- Posso entrar, pô?

Então, ainda meio sonolento, respondi-me:

- Humm... O que você tem aí, cara?

Então, balbuciando, me respondi:

- Pô, tenho aqui uma Smirnoff e um Romeo e Julieta...

Não pensei duas vezes, convidei-me a entrar.

Falamos de tudo um pouco; política, futebol e, é claro, mulher. Rimos pra valer e ficamos tristes também. Pra encurtar a história, eu só sei que bebemos até o sol nascer. Sem ter mais o que dizer um ao outro, bêbados, eu e eu, resolvemos ir pra cama e dormimos até não sei quantas horas.

Acordei com uma dor de cabeça dos infernos, num bode danado. Eu tinha um pensamento e disse pra mim mesmo:

- Puta que pariu cara! Tens que escolher melhor as tuas companhias!

Tributo à Gabriela de Deus



TRIBUTO À GABRIELA DE DEUS


Na terra existiu uma mulher
Seu nome era Gabriela de Deus; nem flor, nem canela
Somente pele e osso, somente Gabriela.
Gabriela era feia, sem eira nem beira
Ninguém pagaria pra tê-la
Regateira, ela chafurdava no mato e no chão.
Dormir não podia, só bebia e fodia
Por fim, caia tonta no canto, num vão.
Acordava um farrapo, suada e nua.
Levantava e saía moribunda pra rua
E ouvia de todos os mais vis gracejos raivosos
“Lá vai ela, a feia cadela! Rebola essa bunda Gabriela!
E lá ia a rapariga de boca roxa e pele amarela
Quase mancando rebolando suas ancas magricelas.
Tadinha, pobre Gabriela de pernas frágeis e fracas
Pelas ruas na noite, lá ia ela a puta Gabriela.
Que além de rota ainda era corcunda.
De tudo dela diziam, pobre mulher moribunda.
Um dia morreu Gabriela sozinha, abandonada.
E pro céu um anjo a levou.
Perguntaram ao anjo o porquê a estava levando.
Ele sorrindo disse que Deus dela gostou.
Hoje, todos rezam pra Gabriela;
A puta que Deus pro céu levou!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Copacabana, Cleuza e o mar



COPACABANA, CLEUZA E O MAR


O sol implacável fazia arder os lombos estendidos na areia, dispersos ao longo da praia de Copacabana.


Aquele era apenas mais um dia livre quando senti seus passos, fofos, mastigando a areia, fazendo-a ranger como porta velha. Era Cleuza, maravilhosa, deslumbrante em seu caminhar, passo a passo, uma gazela deusa; musa de todos os praieiros como eu. Ela passou por mim. Eu a fitei. Aliás, fitei todo o seu corpo e me ative àquelas nádegas exuberantes, macias como os bolos que só a minha tia Zezé fazia. E lá se foi Cleuza em direção à água. Baixou-se um pouco para que suas intimidades fossem molhadas, refrescadas e salgadas. Levantou-se rápida, quase pulando, para que uma onda não machucasse suas partes mais preciosas. Seus peitos subiram como que puxados por cordéis invisíveis e se assentaram calmos, serenos de volta em seus suportes, o sutiã do biquíni. Uma onda veio maior e ameaçadora. Cleuza, rapidamente, afundou e a onda cobriu-a toda, assim como eu imaginava fazer com ela, se um dia a tivesse ao meu lado. A onda passou e ela emergiu como um submarino que eu vira certa vez no cais do porto. Como num passe de mágica, o mar pareceu abrandar-se com sua presença. As ondas altas e fortes não apareceram mais como antes.

Foi então que eu decidi ir para a água para ficar perto dela. Caminhei, sentindo o meu coração palpitar forte e mais forte, quase saltando pelos ouvidos, boca e nariz. Entrei na água e estanquei apenas a alguns metros dela.

Cleuza se deliciava com as marolas que batiam em seus quadris em contínuo massagear libidinoso. Eu fiquei imerso até a cintura, só imaginando como seria se eu fosse uma daquelas marolas batendo em seus peitos, suas ancas... Nesse momento, uma ereção chegou a galope e senti que não havia nenhuma outra maneira de sair dali normalmente, senão ter que me masturbar na intenção daquele corpo lascivo de Cleuza como quem reza a um santo em agradecimento. Decidido, assim comecei, aos poucos, em movimentos ritmados, devagar, devagar, devagar... O meu olhar foi ficando vitrificado e minhas pestanas, mesmo que eu quisesse, não batiam mais. Estava fora de mim. Os movimentos foram aumentando e aumentando e Cleuza parecia que sabia o que eu estava fazendo, pois seus gestos e jeitos ficavam mais sensuais. Uma oferenda ao contrário; de uma deusa a um crente. Tudo aquilo era pura luxúria e tudo era somente para o meu deleite e mais ninguém. Eu podia ouvir a sua voz sussurrando o meu nome devagar, e sua língua a tocar os meus ouvidos como víbora sorrateira entrando na toca de um pobre roedor: Osvaldo, Osvaldo! Nesse momento, não foi possível agüentar e ejaculei. Os espermas subiram à tona à procura de ar e ficaram sobre a superfície como óleo na água. Agora parte de mim estava à deriva. Imediatamente, eu afundei. Mesmo assim, eu ainda podia ouvi-la chamar por mim, dizendo: “Você é demais, Osvaldo!” Nadei pra longe dela, pro fundo, e quando vim à tona, e me virei pra vê-la, Cleuza já estava caminhando pela areia em direção ao calçadão, levando com ela sua canga colorida, sua esteira de palha, seu chapéu e minha punheta juvenil.

Mas tudo já passou e agora só me restam lembranças e saudades daqueles dias em Copacabana. Dias em que eu ainda desfrutava de liberdade em minha pátria. O mar, eu e Cleuza, livres, leves e soltos. Não havia repressão em nosso caminho. Agora, estou aqui no exílio, tendo apenas como testemunha dessas lembranças, somente Garrastazu, meu cão bulldog inglês, cuja presença tem sido um alento pra minha cruel solidão. O mesmo não posso dizer do outro Garrastazu, o general que está lá no Brasil, cuja virulência chega a me dar asco. Só me resta ficar aqui, solitário e banido, nesta Londres cinzenta, fria e impessoal, esperando chegar o momento de voltar logo e continuar minha vidinha no país que eu amo e, que um dia, se verá livre desses déspotas pra sempre.

Como estarão agora Copacabana, Cleuza e o mar, hein Garrastazu?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Um poema sem amor, mas cheio de tristeza e nada



UM POEMA SEM AMOR,
MAS CHEIO DE TRISTEZA E NADA

Nada pode nos afastar a tristeza
Nem mesmo as coisas mais insignificantes
Que a tristeza transmite
Sem querer nos afastar
Nada pode arrancar
As marcas deixadas
Pelos muitos momentos
Tristes entre nós
Nada irá fazer retornar
Todos bons sentimentos
Que toda a tristeza
Nos quis desfazer
Nada, mas nada mesmo,
É tão ruim quanto
A tristeza e o nada, juntos
Mesmo que tenhamos
Mais nada do que tristeza
Pra dizer.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O gostinho adoçante do amor



A DÓCIL AMADA

Tua boca queimada
Molhada de sol
Praguejando dores
À brisa das luzes anis
Á sombra do vento
Sombreando os odores afins
Penitentes querubins
Voando ao léu
Moscas mortas num doce papel
Quebrando em cacos
Nossas mágoas vitrais derramadas no chão
Vem boca queimada de açucares mascavo
Vem Ser pra nunca e sempre
Minha adoçante
A dócil amada.

sábado, 2 de agosto de 2008

Boi Farrista

Pessoal, nunca se sabe o dia de amanhã, não é mesmo? Então, aqui vai um tributo as maiores presas do predador homem, o boi, caso eu venha como animal na próxima encarnação pra outro planeta onde ser boi é ser “mucho animal”!


BOI FARRISTA

Ei, boi, ei boi!
Ei boi farreiro.
Ei boi farrista.
Ei boi!
Se matar um é pouco
Então boi, mate outro
Que faz dois!

Um pião cabe na palma da mão,
Rodopiando que nem chiclete em boca banguela,
E no feijão, carne, arroz doce e canela.
Mãos a obra, pernas pra quem te quer.
Sobe e desce cerca, menino homem e mulher.
Tempo no cercado não sobra.
Corre você na frente
Que aqui vou ficando atrás
Arrastando-me que nem cobra
Pra saber como é que faz.

Ei, boi, ei boi!
Ei boi farreiro,
Ei boi!
Se matar um é pouco
Então boi, mate mais um
Que faz dois!

Tá frio, tá quente
A febre não tem nome...
Pra uns, boi não é gente.
Pode ser Careta, Lua ou Estrela,
Tanto faz, como tanto fez
É somente uma rês.
Agora a sorte tá lançada e
A porteira tá aberta.
Quem vai? Quem vem?
Fica quem não chega,
Vai quem nunca não foi.
Aqui, ou você caga nas calças,
Ou você morre na pata do boi.

Ei, boi, ei boi!
Ei boi farreiro,
Ei boi farrista
Ei boi!
Se matar um é pouco
Então boi, mate mais um
Que faz dois!

E viva pra sempre,
Oh, boi!