sábado, 11 de dezembro de 2010

Em tempos de intolerância paulistanas
















O CAÇADOR DE BIBAS

Raimundo acordou assustado com o barulho no andar de baixo. Filhos da puta! Não agüentaria mais um dia naquela espelunca. Desempregado, decidira arranjar um trabalho melhor do que empacotador de supermercado. Contudo, resignara-se ao pensar que só tinha o primeiro grau. Porra! Que vidinha de merda!

Tinha vindo a mais ou menos dois anos do Crato, Ceará, para São Paulo. E tudo que havia sonhado, começava a se desmoronar aos seus pés. Isso só podia ser coisa feita! Pensou com revolta.

Levantou-se e foi mijar. O encardido e as manchas de ferrugem na bacia do minúsculo banheiro revelavam seu declínio como pessoa. Sua imagem refletida na água mijada, não lhe agradou nenhum um pouco. Porra! Ainda por cima eu sou feio pra caraio! Pensou ele. Não encontrou a escova de dentes no lugar onde havia deixado na manhã anterior. Também isso não importava muito; não havia mais pasta fazia mais de três dias. Estava usando um resto de sabonete para limpar o que restara de dentes na boca.

Vestiu-se e saiu da espelunca. Porra! Tenho que fazer uma coisa que me faça um cara bem sucedido, senão voltarei pro Ceará como um fracassado! Como iria encarar o Padin Cíço, mesmo este estando no Juazeiro? Mas lá de cima ele podia ver tudo. Situação difícil.

No caminho, parou em frente a um botequim e pediu uma média com leite. Enquanto bebia e comia, olhava pro espelho em frente. O que vou fazer?! Ah, já sei! Pagou a conta e saiu.

Começou a perambular todo o centro, até que escureceu. Atravessou a rua e entrou num beco e bateu direto numa pequena barbearia, que mais parecia uma casa de gnomo. Aliás, tinha o tamanho de um mausoléu, daqueles de gente fina, que estão à vista no cemitério da Consolação.

Entrou e encontrou o velho barbeiro dormindo com um jornal de esporte, cuja data não parecia ser desse século, jogado no colo. Raimundo sacolejou o homem que acordou assustado de navalha em punho e muito próxima à jugular do intruso. Raimundo recuperou-se do susto e pediu para que o velho desse um trato no pêlo.

Preparado para o trabalho e com um pequeno e sujo pano amarrado ao pescoço, Raimundo relaxou. O homem começou a manejar a tesoura demonstrando muita habilidade. A tremedeira nas mãos era disfarçada com o mastigar da tesoura. Trec, trec, trec!

Raimundo adormeceu e, o pior, o velho também! Tomado pelo madorna, o velho criou uma rede de vias e variantes dignas de qualquer cidade grande, sobre a cabeça do pobre Raimundo. O rapaz acordou-o e olhando-se no espelho gritou: Porra, seu velho idiota!

Sem ver mais saída para o trabalho de terraplanagem feito em sua cabeça, Raimundo pediu para que o imperito desse cabo de todo cabelo que tinha restado sobre sua cabeça. O velho, ainda tomado pelo sono eterno que se abatia sobre o corpo curvado que a idade lhe impunha, passou a máquina e, em segundos, não havia mais nada a cortar. Velho filha da puta! Raimundo pensou e, só depois é que pagou e saiu revoltado.

Quando ele chegou na rua principal encontrou um grupo de skinheads que logo o abordaram! Puta que pariu! Tô fudido! Ele havia ouvido falar desse pessoal, principalmente de que eles não gostavam de negro, nem muito menos de nordestino e, de lambuja, também não de homossexuais.

Um sujeito com cara de chihuahua o abraçou forte. Vamos acabar com essa corja de nordestinos, bichas e negros, mano! Isso é um cancro! A lama que mancha Sampa, meu!

Raimundo olhou pro resto do pessoal que esperava dele uma resposta e, finalmente, disse com todo gosto: Vamos acabar com essas bibas, esses neguinhos e... esses cabeça chatas, mano! Ouviu-se uma gritaria dos diabos. Levantaram-no do chão em efusiva comemoração. Quando se acalmaram os ânimos, um dos skinheads perguntou: - De onde tu é, mano? Eu? Sim. Sou daqui mesmo num tá vendo o meu sotaque? Pô, como eu num tinha sacado isso, mano! Paulistano na boa! Qual o teu nome? Meu nome? Assustado, Raimundo pensou: Arriégua e agora? Se falar que sou Raimundo vão logo descobrir que sou nordestino... Ray! O quê? Ray, meu nome é Ray! Isso é nome de negão, meu! Raimundo engoliu seco e pensou... E agora? Levantou a cabeça e respondeu: - Que nada, meu! Isso é a minha homenagem ao “firrer”, mano. O “chihuahua” o encarou: - Como assim? Raimundo levantou o braço e estendeu a mão e gritou: - Ray Hitler! O skinhead deu um sorriso largo mostrando que também não tinha uma boa quantidade de dentes e exclamou: - Legal, Ray! É isso aí, mano! Vamos nessa, irmão!

E lá se foi Raimundo, agora chamado de Ray pelos seus novos amigos. Até quando? Ninguém mais soube dizer...

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

São Paulo, uma cidade degradada


















Há muito tempo que a cidade de São Paulo está decadente.

Degradados desde um bom tempo, alguns pontos do centro da capital paulista parecem cenários dignos de filmes como Blade Runner; prédios com alguma beleza arquitetônica encontram-se em ruínas e/ ou pichados; calçadas que outrora exibiam desenhos em pedras portuguesas, estão esburacadas e irregulares, verdadeira armadilha para cegos ou não; postes de concreto que nada têm a ver com o visual geral enfeiam o que já está em petição de miséria. Sem falar dos prédios abandonados, muitos deles por pendengas judiciais com INSS ou outros órgãos governamentais.

Enquanto vemos algumas cidades, do porte e da importância da paulicéia, com uma política séria de revitalização, a cidade dos paulistanos vive (ou morre) sem que sejam tomadas medidas sérias para reverter o quadro tétrico em que a mesma se encontra. Um descaso.

O comércio desordenado toma conta de suas ruas e de alguns espaços centrais e históricos, sem que se faça nada para ordená-los e restaurá-los da maneira correta, como manda a lei. Nem falo das áreas das ruas do Triunfo, Vitória, entre outras que abrigam os dependentes de crack e a prostituição escancarada. O que sobra? Só as áreas mais nobres como os Jardins, que atendem a uma parcela da população, a mais abastada. Os edifícios da Paulista, por exemplo, estão todos em boas condições de aparência já que são novos, atendendo às demandas das chamadas elites. Eles são o do Itaú Cultural, o do Funcef Center, o da Fiesp, o do CityBank, Conjunto Nacional, e o do Masp. Estes são todos projetos de conhecidos e importantes arquitetos. No meu entender, o centro que é o espaço democrático de toda a cidade e que deveria servir a todos, independentemente de classe social, está jogado à própria sorte. O centro dos paulistanos foi abandonado ao “deusdará”. Por que será? A quem interessa esta situação de degradação? À nova especulação imobiliária?

Eu lamentei ver lindos prédios como o edifício Martinelli nas condições em que se encontram. De cor rosada, uma lindeza! Se dessem um jato de areia nele, o mesmo poderia ser fotografado diariamente pelos próprios paulistanos, sem falar nos turistas que visitam a cidade. Um verdadeiro cartão postal. Além desse marco da arquitetura pujante da locomotiva do Brasil, existem tantos outros menores, mas que exibem formas arquitetônicas singulares merecedoras de cuidados que poderiam ser restaurados e colocados outra vez para embelezar a cidade. Não, eles estão abandonados, sujos. Quiçá à espera de uma demolição, que é a maneira “indolor” de não se preservar a história de um povo, de uma sociedade, de um tempo na história de uma grande e importante cidade. Lamentável o ponto a que chegou São Paulo.

Pelo menos eu ainda tenho na minha memória o visual da São Paulo dos anos 60 e 70, mas os mais novos, o que terão?