quinta-feira, 29 de julho de 2010

"Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição: de morrer pela pátria e viver sem razão..."



Atenção: O ex-soldado foi encontrado morto depois destas declarações: "ataque do coração!", claro.

Refrescando as goelas e deixando aqui nosso money!



















Pessoal, aproveito para com este post chamar um pouco de sol para as nossas vidas, já que o tempo chuvoso anda frequente por essas bandas. Então aqui vai um link que pode nos ajudar a deixar o nosso money aqui mesmo em Santa Catarina e ainda refrescar nossas goelas.


http://www.santur.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=389&Itemid=216

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Dignidade























Dignidade

A porta da sala se abriu. Eduarda entrou. Esguia, cabelos castanhos claros curtos; olhos da mesma tonalidade. No adágio popular Eduarda seria taxada de ”gostosona”. Jogou a bolsa e as chaves sobre o sofá e foi até a copa. Sentou-se à mesa. Perecia tensa, quem sabe cansada por um dia longo e extenuante no trabalho. Pedro, que estava limpando um Tauros 45, aproximou-se dela e a beijou na cabeça e falou - Dei um chega pra lá no Agustinho. Ele quis revidar e eu quebrei dois dentes frontais do filho da puta. Esse num vai mais encher o meu saco. Pedro deixou a arma na gaveta da estante e voltou para a mesa. Ele era bem malhado pra idade. O cabelo mal escondia uma careca atrás da cabeça. A barba por fazer era a única coisa que lhe dava um ar um tanto grosseiro. - Então, Duda, como foi hoje lá no trabalho? Eduarda ajeitou-se na cadeira. - Pedrinho, é melhor você se sentar... Pedro que estava arrumando os acessórios para o jantar, olhou-a com surpresa. - Tá, bem... Eduarda abriu um pouco a blusa querendo se refrescar e começou: - Voltando para casa, decidi que você deveria ficar a par do que aconteceu hoje lá no trabalho... Pedro esfregando as mãos falou. - Que novidade é essa? Todo santo dia você fala do trabalho... Eduarda passou a mão pelos cabelos. - Mas hoje é bem diferente. Pedro tentou ficar confortável na cadeira. - Tá, então manda... Eduarda olhou para o marido bem no fundo dos olhos, para que o mesmo não tivesse nenhuma dúvida sobre o que ela relataria. - Como você está vendo fui trabalhar com essa blusa de cambraia de mangas curtas e esta saia de veludo cotelê. Quando cheguei à empresa, fui direto pra cozinha, como sempre faço para pegar o meu chá verde que dona Marilda, a servente, costuma fazer pra mim. Pedro inclinou-se um pouco pra frente – Afinal ela melhorou daquela queda? - Anhá. Ela já está bem melhor. Quer dizer, ainda está usando os espartilhos para ajustar a coluna. - Ah, inda bem. Eduarda prosseguiu. - Bom, eu peguei a minha caneca de chá e fui direto despachar com Fabrício. O tal que assumiu o departamento... Aquele lá de Chapecó, que eu lhe falei. Bom, entrei peguei o laptop dele e comecei a escrever uma minuta para o departamento de marketing. Fabrício costuma ficar andando de um lado pro outro enquanto dita e, numa dessa idas e vindas, ele enlaçou os seus braços pelo meu pescoço, detrás de mim, enfiando as duas mãos por dentro de meu sutiã... Pedro aprumou o corpo na cadeira... - Eu senti o calor das palmas de suas mãos esquentarem os meus mamilos que, logo, começaram a enrijecer... Pedro desencostou-se do espaldar da cadeira e se empinou pra frente, debruçando os braços sobre a mesa... - Eu, imediatamente, me virei e disse para Fabrício que ele estava acostumado a comer as outras funcionárias do departamento, sempre que lhe apetecesse, a troco de uma comissão ali, uma promoção acolá e até mesmo um perfume estrangeiro, mas que comigo a coisa era outra. Pedro levantou-se e se dirigiu pra cozinha... - Você está me escutando, Pedro? - Sim... – disse ele lá de dentro da cozinha. - Pois bem, Fabrício ficou estatelado a me olhar, enquanto eu falava... Eu continuei: Saiba que não sou nenhuma delas, Fabrício. Além do mais, eu amo o meu marido e sou fiel a ele! Sendo assim, decidi que vou satisfazer sua curiosidade, dando-lhe agora... Pedro apareceu na porta da cozinha, empunhando uma faca... Eduarda continuou. Nem tomou conhecimento que Pedro ficara parado no portal que separava a copa da cozinha. - Retirei a blusa, a pus sobre a cadeira em frente ao birô de Fabrício, o mesmo fiz com o sutiã, a saia e por fim, a minha calcinha, com gostinho de framboesa, que você me deu de aniversário. Deixe-me ficar apenas com os sapatos altos. Você não vai acreditar, mas Fabrício, apenas abriu a braguilha e tirou o pau dele pra fora. O desgraçado não fez um esforço sequer! Pedro aproximou-se devagar, escutando, com atenção, tudo que sua esposa lhe narrava... - Eu sentei no birô dele levantei as pernas e ele penetrou-me com sofreguidão, de um jeito que nunca eu havia visto, nem nos tempos em que eu namorava o Beto, lembra do Beto, não lembra? Pois bem, Fabrício não demorou e logo gozou. Pra não dizer que ele não teve trabalho, o desgraçado correu pra pegar um pacote de toalha de papel que havia sobre o armário de pastas com as propostas de compra de nossos clientes preferenciais, e voltou para mim, me dando algumas folhas. Estanquei todo o esperma que escorria e olhei pra ele, olho no olho e disse que aquela era a primeira e última vez, pois ele jamais poderia me confundir com as outras mulheres da empresa. Umas verdadeiras putas. Vesti minha roupa e continuamos a trabalhar no material que íamos mandar pro pessoal do marketing, como se nada houvesse acontecido... Pedro aproximou-se de Eduarda, com a faca em punho, baixou-se e lhe beijou a cabeça como fizera quando ela chegou e sentou-se à mesa. Ele foi pro lugar dele, sentou-se e começou a destrinchar um pernil que comprara na promoção do dia, deu um leve sorriso e exclamou: - Isso é que é ter dignidade! Parabéns, querida!

terça-feira, 13 de julho de 2010

The little grasshopper and the master Zen-Zen


















Felipe era um garoto, digamos assim, diferente. Enquanto os outros garotos só pensavam nos folguedos juvenis, Felipe se dedicava à leitura. Consumia tudo que era leitura a sua frente. Um dia, seus pais resolveram mandá-lo para o monastério, já que as despesas tinham ficado pesadas para manter a prole, além do que, Felipe precisava estudar. Dar um diploma pra a família, quiçá o primeiro em mais de duas gerações. Chegado o dia, Felipe pegou sua maletinha, com o básico em vestimentas; sabonete, toalha (uma que a mãe ganhara de sua prima da capital), duas calças, três camisas, escova de dente, um par de sapatos novos (afinal ele merecia estar “impecável”) e, é claro, uma bíblia. O livro sagrado dos cristãos, não se fazia necessário, já que o lugar era um retiro budista. Enfim, Felipe se despediu de todos, sem derramar uma só lágrima, coisa que só aconteceria na primeira noite, no pequeno cubículo em que dormiu pela primeira vez no monastério. Já seus pais e irmãs, se derramaram em choros convulsos. Ao chegar ao monastério, Felipe foi encaminhado ao mestre Zen-Zen.

Zen-Zen tinha uns 97 anos, mas parecia ter 50 ou menos, dependia da hora do dia em que o conseguiam vê-lo no pátio interno do lugar. Zen-Zen foi enfático: “Nós só admitimos fracos aqui!”. Felipe assentiu e os dois seguiram por um longo e interminável corredor até o local aonde Felipe iria se alojar. Enquanto caminhava ao lado do mestre, Felipe observava tudo ao seu redor e ouvia atento um possível ruído, coisa que, para sua surpresa, era quase imperceptível. Nem o gorjear dos pássaros era ouvido naquele lugar, apenas os passos dos dois, mas Felipe notou que eram apenas os dele. O mestre Zen-Zen parecia levitar sobre a cerâmica encarnada do corredor.

Finalmente, Felipe e Zen-Zen chegaram ao pequeno cubículo. Não tinha mais que um metro e sessenta de altura por setenta de largura. O mestre retirou uma chave e abriu a porta. Felipe esperou que Zen-Zen entrasse primeiro, mas o mestre ficou parado, inerte, parecia meditar. Felipe entrou. Imediatamente a porta fechou-se. Felipe ainda sentiu a sensação de que ouvira Zen-Zen dizer: “Nós só admitimos fracos aqui!”. Deixou sua pequena maleta ao lado do catre e dirigiu-se a pequena janela que havia. Abriu-a. Um vento forte açoitou seu rosto. Felipe fechou a janela de imediato. Ajeitou suas madeixas e sentou-se num pequeno banco onde pousava um pequeno livro: “A fraqueza é a mãe de todas as sabedorias”. Ele pegou o livro e pôs-se a folheá-lo. Não estava interessado em nada que estava escrito ali. Seus pensamentos seguiam viagem até a pequena casa onde há pouco tempo havia morado; lá estavam suas irmãs, seu pai e sua mãe. Ah, o cão da casa; Vitório. Levantou-se e decidiu deitar-se no catre. Olhou pro teto e pensou: “Será que eu terei coragem de enfrentar a vida como todos querem que eu a enfrente? Será que há lugar para mim nesse mundo cheio de novidades e surpresas sem que eu me sinta surpreendido? Será que eu serei o que nunca pensei em ser?” Ele adormeceu e acordou sem acreditar mais em nada. Tempos depois, ele voltou a viver ao lado de sua família, mas eles estavam diferentes e Felipe sabia muito bem por que.

Assim, o jovem rapaz decidiu se engajar na vida política. Casou, descasou, casou e descasou, teve três filhos e se tornou o mais novo alcaide da pequena cidade onde sempre morou.

Só uma coisa Felipe nunca esqueceria: a voz de Zen-Zen dizendo “Nós só admitimos fracos aqui!”.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A voz do polvo é a voz de Deus!













Gente, assisti a final da copa e lamentei a falta de classe de ambas equipes. Muitos gols desperdiçados, tanto por parte da Holanda, como por parte da Espanha.

Finalmente, a copa da África do Sul chegou ao fim. Uma competição, digamos assim, sofrível, pífia. Um dos capítulos mais terríveis dessa copa foi a arbitragem: uma verdadeira lástima, um caso de polícia. A outro foi sem dúvida a nossa (minha não! A minha tinha o ataque do Santos!) seleção.

A cada copa que passa, vou ficando mais cético acerca desse torneio; é como um quadro do programa do Sílvio Santos "Tudo por Dinheiro". Todavia, parabéns para o grande herói dessa competição mundial: o polvo Paul. Este sim é que foi o tom marcante da Copa da África do Sul de 2010!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Urubus, Sabiás e uma Brahma geladinha na consciência



















Pessoal, aqui está uma bela crônica de meu amigo Luciano Nascimento. Uma crítica bem pertinente para os momentos de hoje, onde se discuti as questões do meio ambiente e da relação do homem com ele mesmo. Aqui o Luciano trata da coisa com um humor sutil, bem característico aos bons cronistas. Vale a pena ler e aproveitem para comentar se assim o quiserem.

FOLHA SECA
por Luciano Carvalho do Nascimento

Viver em regiões metropolitanas pode ser bastante interessante. Dia desses, plena terça-feira,cansado do corre-corre cotidiano, resolvi atravessar a rua e parar. Era uma rodovia bastante movimentada, uma das mais movimentadas do país, a BR 101, a poucos metros da minha casa. Há poucas semanas ouvi
falarem de novo da revitalização daquela região. Durante muito tempo ela fora só o pedaço de terra que o
asfalto da estrada não cobrira; depois passou a ser só o lado de lá da estrada; depois a favela que tinha na
frente do shopping novo que construíram do lado de cá da estrada. Moro do lado de cá. Sou vizinho do
shopping. Um emergente...

O lado de lá já teve seus tempos de glória. Era freqüentado por artistas e tudo. Gente de nome. Já
ouvi até sobre um cação que viveu na década de sessenta nas águas dessa prainha do final da Baía da
Guanabara, e vez ou outra se alimentava dos pescadores da região, os que estavam acabando com o
enorme manguezal por ali existente. Até que um desses homens, mais forte, mais corajoso, ou só mais
maluco mesmo, acabou se atracando com o bicho e o matou a facadas.

Ia lembrando essa história, olhando aquela areia agora suja e a lama negra da margem que a água
preta tentava esconder. O sol das três horas da tarde realçava a cor de tudo. Tudo brilha mais quando se
está à beira-mar e se têm esses dois caminhos dourados diante dos olhos: um na água, quente, se
alargando até o horizonte; outro, na garrafa, gelado, se infiltrando da goela até a corrente sangüínea. O
verde das folhas da imensa amendoeira reluzia. A vidraça da fachada do shopping cintilava seu azul
espelhado. Os carros corriam no asfalto da rodovia numa velocidade inversamente proporcional ao
balanço preguiçoso dos barquinhos ancorados ao sabor das marolas. Num carro, estacionado como eu
embaixo da amendoeira, o funk no volume máximo torturava ainda mais um pobre canário, piando
melancólico em sua gaiola, invejando os acordes livres do sabiá-laranjeira vizinho só de galho. A árvore
oferecia sua sombra a homem, bicho ou coisa, sem distinção, e um grupo de jovens cães magrelos
brincavam despreocupados também ali, entre os restos de frutos decaídos, pisados e apodrecidos. Só
pararam quando um dos quatro carteiros – uniformizados, sentados e bebendo a terceira pet de guaraná –
aremessou uma das garrafas vazias contra eles, que se assustaram e correram.

Foi então que percebi uma estranha silhueta vindo do mar. Era um ideograma, uma espécie de agá
mal-traçado sobre uma base mal-feita. Seria o ícone da solidão sem o alento da chegada; era um velho
pescador voltando de um dia no mar. Seu barco não lhe proporcionara abrigo do tempo, e a magreza
carcomida dos dois denunciava o quanto. Deu suas últimas remadas cabisbaixo, como elas costumam ser.

Saltou para a água, pegou uma corda que trazia amarrada à proa da pequena canoa, puxou a cansada
companheira para a areia, prendeu-a, e começou a recolher o que nela havia: uma caixa de isopor velha
com a tampa quebrada, uma rede rasgada – logo devolvida ao lugar de origem –, uma corda esgarçada, e
um saco preto pouco menos que vazio.

A chegada do isopor agitou o cenário. Algumas garças, antes indiferentemente pousadas sobre as
demais embarcações já ancoradas, lançaram-se em vôo apressado na direção do suposto alimento fácil. O
velho caronte, de volta do barco recolhendo a corda, xingou alto, se queriam peixe, que usassem as asas,
fossem pescar bem longe dali, talvez tivessem melhor sorte que ele. Gritou ao mesmo tempo em que
jogava o conteúdo da caixa sobre a areia, impregnando de imediato o ar: eram suas iscas, que haviam
apodrecido sem terem cumprido seu propósito.

O cheiro forte de carniça não afastou as garças, mas nando de imediato o ar: eram suas iscas, que haviam
apodrecido sem terem cumprido seu propósito.atraiu um gato enorme, até então longe o
suficiente para estar a salvo daqueles cães afugentados pelos carteiros. Destro, aproveitou a oportunidade
e disparou rumo aos restos de isca lançados fora pelo pescador, causando, aí sim, a revoada das aves
brancas. Contudo não durou a supremacia do bichano, pois, se este tentava, resignado, se adaptar à ingrata
dieta, os urubus, naturalmente afeitos à matéria putrefata, precipitaram-se sobre o banquete, dispostos, a
princípio, a desconvidar o felino, ou, caso contrário, e melhor para eles, a tê-lo como partícipe da
refeição, mas não como comensal. Um tronco jogado a um canto foi o seu refúgio das duras bicadas.

Por ironia, ou força do ofício, os carteiros prenunciaram a mudança seguinte: ao verem
aproximarem-se os cães, adivinharam que eles expulsariam os urubus. Dito e feito.
Descortinou-se um xadrez com peças inusitadas: garças e urubus disputando os mesmos restos;
gato, cachorros e carteiros honestos não bebendo em serviço; um canário depressivo e um sabiá
debochado; um shopping presunçoso desafiando o mar complacente... A estrada. O trilho dourado mar
afora. A cerveja gelada garganta adentro. A figura esquelética do pescador taciturno.

E eu.

O velho se aproximara e pedira aos carteiros uma das pets vazias. Foi até a birosca que servia a
todos, conseguiu um pouco de água da bica para beber, e voltou reclamando delas: a do bar, quente; a do
mar, suja. Nada mais podia viver ali, seu moço. Acabou. Era lixo pra todo lado. Lá no meio da Baía, um
óleo só; perto das ilhota, onde antes se pegava muito peixe grande, só tinha saco prástico, pedaço de pau,
sujêra. Pensar que tinha até boto por ali... Os homens dos correios concordaram. Era triste mesmo. E se
olharam meio sonsos, um tanto constrangidos com a visível embriaguez do pescador. Ele se afastou,
reclamou um pouco mais, bebeu mais uns goles da água, despejou o restante na areia encardida, e jogou a
garrafa vazia no mar.

Uma lagarta, dessas verdes e cabeludas, caiu da amendoeira dentro do meu copo. Começou a se
debater dentro do líquido dourado. Hesitei um pouco. O torpor, a morte iminente. Joguei a cerveja fora
com cuidado, a lagarta voltou a se mover no chão, sobre uma folha seca da amendoeira. Pedi minha
conta. Paguei. Saí.

E atravessei de volta a estrada, pensando se tudo está realmente consumado.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Lembranças numa preguiçosa tarde de domingo
















Ontem, dia 04 de Julho, um domingo, tarde de sol de um esplêndido céu azul sem nuvens, umidade relativa do ar lá em baixo, de repente, comecei a escutar um repetitivo som de percussão, vindo não se sabe de onde. O toque foi crescendo, crescendo, até que, finalmente, o identifiquei. Era de uma fanfarra! Uma pequena, mas afinada fanfarra escolar. Corri até a janela de meu quarto para ver de onde vinha. Logo, vislumbrei um grupo de jovens estudantes – todos à paisana – desfilando rua abaixo. Um xilofone marcava a cadência, tocando o tema do filme A Ponte do Rio Kwai. Os bumbos davam o ritmo retumbante da marcha que seguia rua afora. As caixas deixavam claros seus marciais compassos, assim como os pratos, que davam um ar imperial ao tema, enquanto as marcações dos surdos respondiam às caixas e aos taróis. As porta-bandeiras com os pendões de todos os Estados da federação – eu lamentei não ver, entres elas, a de meu Pernambuco – faziam evoluções de maneira guapa, mesmo com alguns pequenos contrapassos. De imediato, me transportei para os anos 60, para minha infância em Arcoverde, Pernambuco e para os muitos 7 de Setembro em que lá passei.

Me vi, cabelo a la Jack Dempsey, fardado - calça azul natiê, de tropical, camisa azul claro, de cambraia, com mangas compridas, gravata preta, bibico do mesmo tecido da calça, sapatos Vulcabrás e cinto pretos, empunhando uma baqueta e fustigando, compassadamente, o couro de um surdo novinho em folha. (Os meus olhos cansados pela miopia e astigmatismo, marejaram com essa imagem). Pude ver-me ali, pelas ruas lotadas da capital do sertão de Pernambuco, com as famílias dos garbosos fanfarristas, das porta-bandeiras e das belas balizas, que iam à frente do cortejo, a fazer evoluções com seus bastões coloridos, vestidas com suas indumentárias curtinhas, deixando à mostra toda a graciosidade e o viço de seus corpinhos inocentes. Eu vi minhas queridas sobrinhas marchando, ditosas. Vi, também, a minha mais que estimada e prestimosa irmã, que à época fazia o papel de minha mãe, toda orgulhosa. Até vislumbrei o meu bom e zeloso cunhado, que aparecia quando era possível, já que vivia pelas estradas da vida a bordo de seu FêNêMê. Ah, meu deus! Que tempos eram aqueles! Mesmo assim, ainda fui exigente e exclamei em voz alta: “Poxa, cadê os metais?!” É que naquela época, os metais faziam a diferença, entre uma fanfarra “amadora” e uma “profissional”. A do São Geraldo era “amadora”, pois contava apenas com um corneteiro, emprestado pelo Tiro de Guerra local, enquanto a “profissional” era a do Colégio Cardeal Arcoverde,(onde estudei até o curso de admissão), que contava com alunos músicos, mas desta eu não participei.

Eu estava vivendo tudo aquilo outra vez, em pleno 2010, através de um grupo de estudantes de uma escola pública de Chapecó, SC, que insistiam em manter essa tradição, desfilando e ensaiando pela minha rua, numa preguiçosa tarde de domingo, tirando-me da minha inércia de final de semana. ”Puxa vida! Nem tudo está perdido!” - pensei alto, enxugando umas gotas salgadas, que insistiam em escorrer por entre os evidentes pés de galinha de meu rosto.

Eles evoluíram pela rua de baixo e se foram, mas os meus tempos de menino desfilando pelo Instituto São Geraldo ficaram em minha memória pelo resto da tarde, denunciados por um largo sorriso que ia de um canto da boca ao outro.