quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Uma indiscrição? Não, uma lição de vida


Acabei de ler as correspondências entre Sergio Faraco e Mario Arregui, de 1981 a 1985, ano em que Mario Arregui morreu. Esse livro foi um achado, pelo menos pra mim, que nunca havia lido esse tipo de trabalho. Aliás, a iniciativa foi do filho de Arregui, Martín, que propôs a Faraco a publicação das cartas. Este resistiu, pois, para ele, se tratava de uma coisa íntima, pessoal, privada entre os dois, mas Martín terminou convencendo o contista gaúcho do contrário. Ainda bem! Sairam, por fim, duas edições: em português e em espanhol.
As cartas trocadas entre esses dois grandes narradores latino-americanos, um uruguaio e outro brasileiro, são de uma tal honestidade e simplicidade, que nos faz tirar a impressão de que todo literato é arrogante, inflexível. Essa impressão é desmontada quando os vemos confabulando pormenores narrativos de suas criações, acertos e críticas mútuas, mas, e acima de tudo, os dois carregados de generosidade em suas propostas e tendo como base a literatura. Além disso, os dois falam de família, amigos, política, desejos, sonhos, defeitos e, sobretudo, o amor pela literatura. Mesmo sabendo o desfecho final dessa amizade breve,com a morte Arregui, consumi o livro com voracidade, não para saber detalhes sobre a morte do contista uruguaio, mas para conhecer os caminhos que fizeram esses dois homens, com quase os mesmos predicados e defeitos, se doarem, ao longo de quatro anos, na empreitada que foi a tradução e organização do livro ”Cavalos do amanhecer”. Essa amizade de quatro anos cravou-se para sempre em seus corações como os punhais das narrativas campeiras dos dois autores. A leitura de “Correspondência –Mario Arregui & Sergio Faraco – Diálogos sem Fronteiras, L&PM Editores - 2009”, é um aprendizado, sem dúvida.
Depois de ter lido “Cavalos do amanhecer”, ficou mais fácil entender as personalidades do autor e de seu tradutor. Se um dia eu tivesse algum trabalho de relevância literária e quisessem me traduzir, gostaria de ter um tradutor com o empenho, a sinceridade, a firmeza e criatividade de Sergio Faraco.
Outro fato relevante desse livro é que Arregui e Faraco nos oferecem um catatau de nomes e obras que já pagaria a leitura do livro por essa dica involuntária. Eu, por exemplo, fiz uma pequena lista de autores de língua hispânica a partir dessas informações contidas no “Diálogo sem Fronteiras”. Me propus a ler os mesmos o quanto antes. Já conheço Borges, Cortázar, Galeano, Márquez, Llosa, agora Arregui, mas ainda faltam muitos outros nomes de autores que a dupla nos fornecem através de suas missivas. Também chama a atenção nesse livro de correspondências  quando os dois falam criticamente dos editores. Há momentos de reserva, mas, também, de impaciência com eles, o que temos que observar, para não criarmos imagens muito positivas dessa espécie tão especial do reino literário.
Por fim, depois desse livro, de suas dicas e preciosas lições de vida, não sei como vou dar conta de tanta leitura, já que, ao mesmo tempo, tenho que escrever os ajustes finais de meu livro, (que será o quarto), com o título provisório “A Noiva do Porto”. O lançamento gostaria que fosse por volta de abril de 2013, depois, é claro, de “Malvadeza Durão”. Ufa!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Pra alguns, um "sapo", pra maioria, um "príncipe"














Pessoal, extraviei do blog do Azenha,  o Viomundo (http://www.viomundo.com.br/), este artigo muito interessante do Roberto Amaral, que nos esclarece o quanto a direita e a elite branca do Brasil, não engole o operário que chegou a presidencia e que fez Dilma sucessora e que, hoje, os dois, teem uma aprovação jamais vista na história desse país. Por que será, hein?
Aqui vai:

É preciso vomitar o "sapo barbudo"

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Por Roberto Amaral, na Carta Capital

Quem quiser, no que resta de esquerda brasileira, que construa castelos de areia sobre a ilusão do fim da luta de classes, ou da conciliação dos interesses populares com a burguesia reacionária, rentista, quatrocentona, de nariz arrebitado e cartórios na Avenida Paulista. Nossas ‘elites’ conservadoras têm consciência de classe, mais aguda e mais profundamente que os dirigentes da Força Sindical. A classe dominante (vai a expressão em desuso como homenagem ao sempre saudoso Florestan Fernandes) conhece seus objetivos e sabe escolher os adversários segundo a ‘periculosidade’ que atribui a cada um. Uns são adversários passageiros, ocasionais, outros são inimigos históricos, que cumpre o quanto antes eliminar.

Lula, considere-se ele intimamente de esquerda ou não, socialista ou não, é, independentemente de sua vontade, esse inimigo fundamental: de extração operária (daí, contrário senso, a boa vontade da classe média com Dilma, pois não vem do andar de baixo) está, no campo da esquerda, no campo popular e no campo das lutas sociais. Para além, portanto, das reivindicações econômicas do sindicalismo, quando chegou a encantar certos setores da burguesia que nele viam então apenas uma alternativa sindical aos cartéis do “peleguismo”, dóceis, e do que restava de varguismo e comunismo.

Hoje, queira ou não, continua a ser o “sapo barbudo” que a direita foi obrigada a engolir, mas está sempre tentando regurgitar. A direita — impressa ou partidária (esta sob o comando daquela, ambas mercantis, desligadas do interesse nacional) –, ao contrário de certos setores pueris de nossa esquerda, age em função de seus objetivos estratégicos e em torno deles se unifica. Recua, quando necessário, em pontos secundários em face de dificuldades conjunturais para avançar no fundamental, exercitando a lição leninista do “um passo atrás, dois à frente”. Muitos de nós operam na inversão da frase.

No governo, cingido à realidade fática da “correlação de forças”, nosso governo (o de coalizão liderado pelo presidente Lula, que abarcou todos os partidos de esquerda e mais os apêndices que foram do centro à direita assistencialista) não realizou as reformas políticas, da estrutura estatal, que poderiam, passo a passo, abrir caminho para uma efetiva, ainda que a médio e longo prazos, alternância de poder.

Neste ponto, conciliou com mais competência que Vargas e Jango (pois se manteve no poder e o conservou ao fazer sua sucessora), para realizar o que não conseguiram esses seus antecessores, atingidos que foram por golpes de Estado, do que Lula se livrou em 2005. O governo Lula realizou, porém, o inaceitável: transferir o centro ideológico dos interesses do Estado para as maiorias marginalizadas pelo capitalismo predador, o que o tornou inimigo estratégico da nossa carcomida direita. E, audacioso – rompendo com o complexo de vira-latas das ‘elites’ econômicas alienadas ao forâneo–, construiu (salvas a Amorim-Samuel-Marco Aurélio) uma inserção soberana no cenário internacional, rompendo com décadas de submissão aos interesses externos, cujo exemplo maior é oferecido pelas administrações dos dois Fernandos.

Ao contrário de Jânio, que acenava no plano externo com uma política independente para no campo interno realizar uma política recessiva e anti-popular, Lula, que encontrou falido o país de FHC, rompe com a submissão recessivista para colocar o Brasil na rota do desenvolvimento com distribuição de renda, incorporando à cidadania milhões de brasileiros até então marginalizados.

Para a burguesia reacionária essa política soou como um rompimento com a “Carta aos brasileiros”, e era o sinal para a tentativa de desestabilização do governo.

Tudo o que se segue é história recente, daí decorrente.

Nada de novo, portanto.

A direita brasileira foi sempre, é, e sempre será golpista.

Não podendo derrotar Vargas, impôs-lhe o golpe-de-Estado de agosto de 1954, consumado com a posse de Café Filho e o governo reacionário – leia-se anti-nacional – de Eugênio Gudin-Eduardo Gomes-Juarez Távora.

Derrotada pelo povo na tentativa de impedir a posse de Jango, impôs-lhe o golpe de Estado de 1964, abrindo as portas para a ditadura militar.

O grande legado histórico da UDN e da “grande imprensa”.

Antes, por cinco anos, tentara, inclusive com insurreições militares e seguidos pedidos de impeachment (e a oposição dos jornalões de sempre) desestabilizar o governo JK.

Ora, se o presidente era um quadro do pessedismo conservador, tinha como vice-presidente o inaceitável Jango e sua administração apoiada pelos comunistas.

Em 1954, para fazer face ao nacionalismo de Vargas, a direita inventou um “mar de lama”, que, como as armas de Saddam Hussein, jamais existiu.

Em 1964, a aleivosia foi uma “conspiração comunista” que a simples fragilidade do governo, derrubado sem resistência, revelou fantasiosa.

Agora, e como sempre, os herdeiros do golpismo, aprendizes medíocres do lacerdismo anacrônico, investem na injúria e na mentira para tentar denegrir a honra do mais importante líder popular contemporâneo.

Eis um inimigo que precisa ser destruído, como a era Vargas que FHC prometeu apagar da história.

Uma notória revista de questionável padrão ético, alimentada por “segundo consta” e “segundo teria dito” um réu da ação penal 470, procura, uma vez mais e não pela última vez, politizar o julgamento do “mensalão”, tentando aproximá-lo do ex-Presidente. Este objetivo é perseguido, incansavelmente, mediante, intrigas e futricas, desde 2005.

A imprensa levanta a tese, e, como respondendo a um reflexo condicionado, como o cão de Pavlov, os Partidos de direita assumem a acusação leviana como bandeira de lutas.

Estranha história: são as atuais forças da reação – PSDB e DEM (e o penduricalho do PPS) — as fundadoras, no primeiro governo FHC, da grande fraude que foi a compra de votos para assegurar a imoral aprovação da emenda permissiva da reeleição.

Foi o PSDB que, no governo de Eduardo Azeredo, com os personagens de hoje, fundou o “mensalão”. Foi o DEM do “mosqueteiro” Demóstenes quem deu sustentação à quadrilha de Cachoeira e foi o DEM de Arruda quem instalou o “mensalão”, no Distrito Federal. São essas as forças que apontam o dedo sujo na direção do presidente Lula.

A história não se repete, sabemos (a não ser como tragédia ou farsa) mas no Brasil ela é recorrente: direita impressa, meramente mercantil ou partidária, ou seja, a direita em quaisquer de suas representações, reiteradamente derrotada nas urnas, está sempre em busca de uma crise política salvadora, que a leve ao poder, pelo golpe inclusive, já que pelo voto não o consegue.

A infâmia, a mentira, a calúnia, são, no caso, preços moralmente irrelevantes que a reação brasileira está disposta a pagar para “varrer a era Lula”.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O golpe e o chambaril paraguaio


 
O GOLPE E O CHAMBARIL PARAGUAIO
por Hélio Jorge Cordeiro
Atenção: acabam de chegar notícias confirmando que uma grande massa de trabalhadores se aproxima do complexo de produção da Rede Globo, carregando faixas  e cartazes em apoio a Lula e a Dilma. Outras marchas acontecem em quase todos os Estados da federação. Em Brasília a Presidenta foi vista usando uma metralhadora sobre seu terninho vermelho. A última informação, esta em rede nacional, é que ela afirmou que só sairia do palácio pelo voto popular, caso contrário resistiria até a morte no caso de golpe. Lula e Dona Marisa estão também no palácio, armados!. Zé Dirceu está aquartelado na torre de TV em Brasília, juntamente com José Genuíno. Os dois armados até os dentes. O vice-presidente está no palácio Jaburu e disse que não se mete nesse imbróglio, lava as mãos e pede para que não o incomodem até terminar toda essa confusão. Perguntado se ele poderia assumir a presidência, caso Dilma fosse destituída, ele afirmou, categoricamente, que o PMDB não está preparado pra isso.
As transmissões das emissoras  a favor do golpe pararam de transmitir. Grupos de funcionários dos correios, acompanhados por grupos bem armados, foram vistos tomando de assalto as torres de transmissões da Rede Globo e da Rede Bandeirantes. Chamado de volta ao cargo, Franklin Martins disse que a presidenta proclamaria “la ley de los médios” de qualquer jeito.
O congresso está reunido em caráter de urgência. Há notícias de que houve um pequeno entrevero entre os parlamentares que apoiam o golpe e os a favor da presidenta. Existem feridos, mas o SAMU se recusou a transportá-los.
Nos chega a notícia de que alguns juízes do STF e do TRE deixaram o país agora pela manhã.  A família Marinho acaba de passar o comando do conglomerado às mãos de alguns jornalistas e, dizem, para Daniel Dantas. Os filhos do Dr. Roberto foram vistos embarcando no Tom Jobim em um jato da Bombardier. Com eles, havia um procurador da república, ainda não identificado, Regina Duarte, três colunistas de o Globo, o ex-ministro Jobim e mais alguns funcionários da “venus platinada”. Também a cúpula da Abril deixou o país com destino ignorado. Tudo leva a crer que eles seguiram para Itália a convite de Berlusconi. Já Ali Kamel, foi detido, pelo PF, trajando túnica e usando burca, mas não foi por esse motivo que ele foi detido, mas pelo fato de estar distribuindo a Veja nas escadarias do portão de embarque. Na capa da dita revista: “Dilma caiu. Já vai tarde, presidenta!”.
As Forças Armadas acabam de afirmar,  em um comunicado, que garantirão o mandato da presidenta, mas estão enfrentando pressão de Washington, que ordenou à Quinta Frota estacionar imediatamente próximo às duzentas milhas do território nacional. Existem grandes movimentações de tropas americanas e de aviões nas bases do Paraguai e da Colômbia. A Venezuela está em alerta. O presidente Chaves e a presidenta Christina, da Argentina, declararam em rede nacional todo o apoio à presidenta Dilma. Já no Brasil, São Paulo, Paraná, Sta. Catarina e Minas Gerais, são os estados brasileiros, através de seus governadores, que ainda resistem em apoiar a presidenta, mesmo diante de manifestações em massa, de apoio a ela e a Lula. Fontes bem informadas dizem que o prefeito Kassab está ilhado no prédio da prefeitura de São Paulo, que foi cercado pelos sem-teto e por um grupo de camelôs xiitas das ruas do centro. Chegou-nos, agora há pouco, a informação de que o Palácio Bandeirantes foi tomado pelo grupo intitulado MAExMP, Movimento Armado de Ex-Moradores do Pinheirinho. O governador Alkmim e José Serra, dizem que só saem do palácio com a presença do Padre Marcelo,mas, até  agora, o Padre não foi encontrado em sua residência. Há rumores de que ele desapareceu sem deixar vestígios. Encontraram apenas um rosário de madre pérola, que fora presente de José Serra em cima de um oratório do século XVII.
Os comandos da PM e da Polícia Civil de São Paulo decidiram ficar juntos e cruzarem os braços até que suas reivindicações sejam atendidas. O comando da Rota decidiu não matar ninguém nas vinte e quatro horas, mas resaltou que, quem reagir “vai pro saco, mano!”. As duas polícias, PM e Civil querem unificação das informações e salários melhores, como os policiais federais que, em assembleia, decidiram acompanhar os comandos militares das regiões. Sobre estes últimos, nos é passada a informação de que os comandos do exército e demais armas nos estados de Pernambuco e Rio Grande do Sul decidiram apoiar a separação desses Estados da federação brasileira.  Seus respectivos governadores se declararam presidentes e, portanto, Pernambuco e Rio Grande do Sul são os mais novos países da America Latina, mas afirmaram que, se houver um golpe de fato, eles saem em apoio à presidenta. Só à guisa de esclarecimento: à frente do governo gaúcho está um militante farroupilha. De Pernambuco, recebemos, também, um comunicado da captura do Roberto Freire, que tentava fugir para  o exterior fantasiado de “cabôco” de lança.”
Acordei assustado. Suado como um tirador de espírito, eu limpei as remelas dos olhos e corri para o computador. Acessei os blogs sujos, um por um, e não encontrei nada que mostrasse que tinha havido um golpe de estado. Apenas notícias de que havia uma tentativa, por parte do STF, partidos de oposição e a chamada grande mídia, de derrubar a presidenta de todos os brasileiros, desta vez, não mais pela força das armas, mas de forma tênue e dentro dos “autos do processo.
Fui tomar meu desjejum tranquilo, mas prometi nunca mais comer chambaril em restaurante paraguaio, à noite, antes de dormir. Não demorou, uma revolução eclodia, dessa vez, nos meus pobres intestinos. Corri com as calças arriadas direto para o banheiro, que é lugar seguro, nesses casos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Amigos são para além da vida




Ainda sobre Mario Arregui, depois de devorar, como disse no poste anterior,  a compilação de que Sergio Faraco fez dos contos do autor uruguaio, “Cavalos do amanhecer” L&PM Pocket, começarei a ler o livro “Diálogos sem Fronteira” L&PM Editores. Este livro trata das correspondências trocadas entre o contista brasileiro e o contista uruguaio, ao longo de quatro anos.  Vou reproduzir aqui neste poste um trecho de um a delas, escrita por Arregui e que está na contra capa do referido livro:

"Faraco:
(...) Tenho 23 anos mais do que tu. Acho que não sou muito simpático, exceto para os amigos – tenho muitos e alguns, ai de mim, já estão mortos. Minha mulher, como a tua, terá uma opinião favorável sobre mim. Casei-me duas vezes. Acredito que a bigamia (ou melhor ainda, a trigamia) é o estado ideal. Razões de idade me constrangem à monogamia. Tenho três filhos, sete netos e uma enteada. Carrego o grande pesar de um filho morto em acidente. Como tu, possuo terras, o que nunca me impediu de militar na esquerda.  Essa militância, em 1977, custou-me quase  8 meses de prisão. Tu és advogado, eu fui estudante de Direito, mas, com mais sorte do que tu, abandonei em tempo essas porcarias codificadas. Quando mais moço, fui muito bom ginete. Como jogador de futebol, sempre fui ruim. A estância e a cabanha, hoje em dia, são administradas por um de meus filhos, em meio à grande crise econômica que asfixia o país. Espera-se um desmoronamento dentro de alguns meses, como o argentino. Meu outro filho está na Espanha, é pintor. O outro, que é a outra, uma mulher, mora em Montevidéu. No último dia dede1978 tive um enfarto e estive moribundo ou quase morto. Com um marca- passo, agora estou bem.

Se vens a Rivera ou Bella Unión, me telefona (o 707 de Trinidad). Não estaríamos tão distantes e poderíamos nos encontrar.

Com verdadeiro afeto em estado nascente,

Arregui”

Detalhe: Arregui, na capa do livro, é o da esquerda. O engraçado é que, não sei se de propósito, Faraco aparece mais velho que Arregui.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Quando ler nos descobrirmos ser outros























Acabei de devorar o livro de contos Cavalos do amanhecer, L&PM Pocket ( com tradução de Sergio Faraco, aliás, outro que devo ler, logo, logo), do escritor uruguaio Mario Arregui (1917-1985). É devorar mesmo, pois não levei mais que uma noite para fazê-lo e não fiquei saciado. Quis mais e mais e não havia mais. Até então, eu não tinha lido nada do referido escritor. Ao fazê-lo fui descobrindo um gosto pela narrativa gauchesca, que, anteriormente, havia experimentado com Jorge Luis Borges em La otra muerte.  Aliás, e a propósito, eu li em algum lugar que essa narrativa de Borges é uma traição a essa tradição, advinda de José Hernández com o seu Martín Fierro, por exemplo, mas isso é outro papo, pois não parei para ler a obra de Hernández para fazer um juízo sobre essa polêmica afirmação.

Arregui, um filho do campo, das coxilas uruguaias, sabia como ninguém nos falar das coisas desses lugares, assim como de seus indivíduos. Histórias que, ainda, povoam o imaginário do povo uruguaio - dos pampas rio-grandenses, também. De maneira até um pouco rebuscada, Arregui abre-nos  as porteiras de sua narrativa, por vezes de maneira mágica, lúdica, como em Lua de Outubro, e, ao mesmo tempo, crua, como em  A Vassoura da Bruxa - principalmente quando nos narra as peleias entre os “brutos” dos pampas de seu país - e, por fim, sem anestesia prévia, em Cavalos do amanhecer, conto que dá título a essa coletânea que acabo de ler.

Não sou a pessoa certa para falar de seu valor como literato. Existem profissionais, críticos que fazem muito bem esse trabalho, mas aqui me arrisco dizendo que fico feliz e gratificado por colocá-lo, a partir de agora, entre os mais importantes contistas do mundo.

Irei lê-lo mais e quantas vezes eu puder. Com isso, quero sugerir a todos vocês que deem uma olhadela em qualquer de seus contos – sugiro Os Ladrões. É magistral! Arregui, nesse conto, nos fala que a ignorância por vezes não é tão ignorante como pensamos que seja.  Como alguém já falou de seu trabalho: “ a narrativa de Arregui é de um lirismo urgente”

Quando puderem, puxem da cuia de Mario Arregui que ali tem erva boa.

 

domingo, 16 de setembro de 2012

A arte de emocionar escrevendo simples, direto e seco!














Um conto de Graciliano Ramos – Baleia

Literatura – A Arte do Conto Do Webwritersbrasil's Blog

A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas (1) . As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de roscas, semelhante a uma cauda de cascavel. Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: — Vão bulir com a Baleia? (2) Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo. Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras. Quiseram mexer na taramela e abrir a porta, mas Sinhá Vitória levou-os para a cama de varas, deitou-os e esforçou-se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a cabeça do mais velho entre as coxas e espalmou as mãos nas orelhas do segundo. Como os pequenos resistissem, aperreou-se e tratou e subjugá-los, resmungando com energia. Ela também tinha o coração pesado, mas resignava-se: naturalmente a decisão de Fabiano era necessária e justa. Pobre da Baleia. Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como Sinhá Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga: — Capeta excomungado. Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens. Pouco a pouco a cólera diminuiu, e Sinhá Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável. Nesse momento Fabiano andava no copiar, batendo castanholas com os dedos. Sinhá Vitória encolheu o pescoço e tentou encostar os ombros às orelhas. Como isso era impossível, levantou os braços e, sem largar o filho, conseguiu ocultar um pedaço da cabeça. Fabiano percorreu o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis: — Ecô! ecô! Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente. Ouvindo o tiro e os latidos, Sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto. Fabiano recolheu-se. E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitava as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de alcançar essa cova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis. Como o sol a encandeasse, conseguiu adiantar-se umas polegadas e escondeu-se numa nesga de sombra que ladeava a pedra. Olhou-se de novo, aflita. Que lhe estaria acontecendo? O nevoeiro engrossava e aproximava-se. Sentiu o cheiro bom dos preás que desciam do morro, mas o cheiro vinha fraco e havia nele partículas de outros viventes. Parecia que o morro se tinha distanciado muito. Arregaçou o focinho, aspirou o ar lentamente, com vontade de subir a ladeira e perseguir os preás, que pulavam e corriam em liberdade. Começou a arquejar penosamente, fingindo ladrar. Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinham fugido. Esqueceu-os e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas. O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. Ficou assim algum tempo, depois sossegou. Fabiano e a coisa perigosa tinham-se sumido. Abriu os olhos a custo. Agora havia uma grande escuridão, com certeza o sol desaparecera. Os chocalhos das cabras tilintaram para os lados do rio, o fartum do chiqueiro espalhou-se pela vizinhança. Baleia assustou-se. Que faziam aqueles animais soltos de noite? A obrigação dela era levantar-se, conduzi-los ao bebedouro. Franziu as ventas, procurando distinguir os meninos. Estranhou a ausência deles. Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde Sinhá Vitória guardava o cachimbo. Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. Estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto, e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito. Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha. A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes (3). “Baleia” – 1938 – de Graciliano Ramos Sinopse: O chefe de uma família de retirantes nordestinos decide tomar uma providência com relação à cadela da família que está muito doente. Comentários: O conto, de característica regional, deu origem ao romance “Vidas Secas” do qual é um capítulo. Graciliano descreve os momentos que precedem a morte e reflete sobre isso, com uma visão fatalista da realidade. Parte do ponto de vista de um animal como metáfora para o ser humano. As descrições são concisas, simples, mas ricas. É possível sentir a angústia, a tensão e a densidade do momento. Pode-se ver e sentir as personagens. Graciliano é seco e direto. Diz logo a que veio na primeira frase (1). Enquanto narra, vai mudando o personagem foco da ação, descreve o ponto de vista de cada um deles sobre o conflito (2). Cria suspense desde o início do conto e o mantém até o final, aprisionando completamente o leitor no qual causa impacto. Capta um fragmento de vida, como numa crônica do cotidiano, um momento onde algo acontece às personagens. E desnuda a vida miserável no sertão nordestino, castigado (na época e até hoje) pela seca. Aos poucos, o sofrimento da cadela vai se transformando, o mundo vai tomando uma dimensão onírica, igual ao que seria o paraíso para Baleia, quais seriam seus momentos de paraíso e ela sente conforto, o que confere à morte uma impressão de libertação, de um acontecimento bom para quem morre (3). Imagina-se a angústia daqueles que ficaram.

Fonte: “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século” – Diversos Autores – Seleção: Ítalo Morriconi – editora Objetiva –618 págs. – 2000. Nota:A reprodução deste texto tem fins exclusivamente didáticos.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Nos braços da Cuca!

Está Cuca não causa medo, como a sua homônima das histórias lobatianas, mas causa um momento de satisfação e um grande prazer para os ouvidos escutá-la.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Cada um é cada qual

Gente fina, aí está mais um texto para que possamos entender a alma humana. Um bom momento de Izaías, ao falar, ou melhor, analizar o personagem da cena política brasileira que é José Serra. Pensem e vejam que podemos fazer de nossas vidas uma merda e tanto, assim como Serra tem feita a dele.
 
O artigo foi retirado do blog do jornalista Rodrigo Vianna em seu Escrevinhador.
 
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Sobre répteis e Guevaras


publicada quinta-feira, 13/09/2012 às 09:53 e atualizada quinta-feira, 13/09/2012 às 09:53

Por Izaías Almada
Esta é uma fábula contemporânea, escrita em tempos que alguns animais aprenderam, de fato, a falar.
Na natureza, a diferença que separa ou distingue os répteis de um ser humano, como Ernesto “Che” Guevara, por exemplo, é preenchida pela existência de vários outros seres, alguns deles até próximos a seres humanos como o “Che”, por exemplo, ou a ele comparáveis. A reflexão esdrúxula, alegórica e à primeira vista desprovida de algum sentido lógico, eu a faço por não ter conseguido entender até agora o significado da candidatura do cidadão José Serra à prefeitura da cidade de São Paulo. Continua sem sentido? Já me explico. O fato tem lá suas tintas surrealistas, o que me libera também para um comentário de igual teor.

Sei que muitos de nós, por esse ou aquele motivo, nos perguntamos o que viemos fazer nesse mundo, procuramos encontrar um sentido para as nossas vidas, de onde viemos e para onde vamos e coisas do gênero, consoante nossas crenças, nossos valores culturais, nossas reflexões mais íntimas e mesmo as nossas inseguranças. Afinal, sou um homem ou sou um rato? Alguém no passado já se questionou a respeito… Confesso que não padeço dessa angústia, não por virtude – não me entendam mal – mas pelo fato primordial de ser ateu. Não sofro diante dos mistérios insondáveis da vida, das grandes questões metafísicas.

O cidadão José Serra, contudo, formado politicamente nos quadros da Ação Popular, organização católica de esquerda bastante ativa nos anos 60, ocasião – inclusive – em que chegou à presidência da UNE, talvez tenha introjetado a noção de que tinha uma missão a cumprir enquanto vivesse. Um relevante papel político a desempenhar em nome da sua gente, quem sabe? Todos nós temos o direito aos sonhos, quaisquer que sejam eles… E aqui, rendo-me ao lugar comum já tantas vezes por mim ouvido, o de que muitos cidadãos sonham em um dia se tornarem presidentes da república em seus países. Sonho carregado de responsabilidades e que, quanto a mim, se aproxima mais de um Guevara, de um Ghandi ou de um Mandela, na minha modesta e ingênua maneira de encarar o mundo. Muito mais do que se aproximaria de um réptil, é claro. Confesso, aliás, que ainda não li nada a respeito sobre o sonho dos répteis…

E pelos vistos, o cidadão José Serra levou esse desejo ao pé da letra e, diga-se de passagem, com denodado estoicismo. Deve ter encontrado à sua volta e dentro de si motivos para isso, e com certeza nobres. Mas como há um ritual a seguir nessa difícil trajetória, pois poucos são aqueles que conseguem chegar à presidência de uma nação sem um mínimo de experiência política, o nosso cidadão percorreu aos solavancos tal ritual e, na caminhada, parece ter descoberto que, muito além das responsabilidades inerentes ao cargo almejado e antes mesmo de atingi-lo, poderia desfrutar de inúmeras benesses que a sua não tão vã filosofia havia imaginado.

Foi deputado, senador, ministro de estado, prefeito, governador e, curiosamente, não deixou nenhuma marca, nenhum registro ou realização digna de menção para a coletividade em nenhum dos cargos ocupados, por mais que ele próprio, seus apaniguados, o partido a que pertence e a imprensa que o prestigia e o sustenta politicamente façam grandes esforços para encontrar alguma coisa do gênero. Alguma idéia, algum pensamento original. E olha que não faltou oportunidade para tal. Mas a sua grande missão, o alvo final (a não ser que sua melagonomania não tenha ainda sido devidamente avaliada e/ou analisada) seria mesmo a presidência da república. Aliás, “o mais preparado” para o cargo, como gosta de dizer aos quatro ventos…

Segundo os autores das antigas tragédias gregas (Édipo Rei, de Sófocles, continua sendo uma obra prima há mais de 2500 anos), a obsessão de um personagem na perseguição de um objetivo leva-o àquilo a que se chama sua “falha trágica”, um ato que o condena a algum tipo de punição. O cidadão José Serra, embora não seja nenhum herói trágico grego (e muito menos brasileiro), na sua caminhada obsessiva rumo ao palácio do Planalto já cometeu não uma, mas várias falhas trágicas. A maior delas, além daquela – segundo o livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. – de amealhar pelos mais variados “artifícios legais” milhões de dólares do patrimônio público brasileiro, a maior delas, repito, foi prometer que cumpriria o seu mandato de prefeito em São Paulo (até com um “papelzinho qualquer” assinado, segundo ele mesmo) e não cumprir com a própria palavra. Ou não chegar também ao final do mandato como governador do estado.

O cidadão José Serra foi queimando etapas e até agora colhendo derrotas no seu principal objetivo. De repente, pelos mais variados motivos e meios o Brasil, e mais particularmente o Estado de São Paulo e sua capital, começaram a ter notícias e a perceberem quem é de fato o cidadão José Serra. Um homem despreparado, obcecado e sem idéias próprias. Arrogante, destemperado, vingativo. Apresenta, inclusive, certo ar de autismo, pois sua obsessão não deixa que ouça os que estão ao seu lado e muito menos, é lógico, os que lhe criticam sem ou mesmo com razão.

Impôs-se candidato de última hora dentro do seu partido, quando as prévias já estavam marcadas e alguns pretendentes à prefeitura de São Paulo também já haviam se manifestado. Atropelou a todos em três semanas, e o partido engoliu, como tem sempre engolido, o seu jeito incivilizado de fazer política. Qual seria o segredo desse cidadão? Fragilidade ideológica de outros membros do PSDB? Chantagem? Telhados de vidro à sua volta? “Fadiga de material”, segundo as palavras do sociólogo de textos ininteligíveis? Perfil ditatorial que tanto interessa à oligarquia nacional no seu atual momento de desalento político e sustentado por interesses antinacionais de um capitalismo neoliberal esgotado, mas necessitado de porta vozes com algum potencial eleitoral, mesmo que em total declínio? Ou tudo isso junto? Por isso, a cada dia que passa, entendo menos a candidatura do cidadão José Serra à prefeitura de São Paulo.

Há já alguns anos, ainda adolescente, em Belo Horizonte, minha cidade natal, tive a oportunidade e a sorte de descobrir, com outros jovens estudantes e colegas, que o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, de passagem pela capital mineira, iriam jantar num tradicional restaurante de carnes exóticas, o Tavares, e para lá muitos de nós nos dirigimos. Era o ano de 1961. As teses existencialistas fascinavam boa parte da minha geração e repercutiam principalmente nos mais jovens. Levei comigo um livro escrito por ele, da sua trilogia ‘Os Caminhos da Liberdade’ e consegui o meu autógrafo, que durante anos pude exibir com orgulho. Os jornais, que deram grande destaque à visita, publicaram entrevistas e opiniões do casal francês mais famoso do pós-guerra.

Numa dessas entrevistas, e repetindo o que já havia dito a jornais em outras partes do mundo, Sartre afirmava depois de uma visita a Cuba, cuja revolução socialista triunfara dois anos antes, que Ernesto Guevara era, provavelmente, o homem mais íntegro e digno que conhecera até então. Para aqueles que conhecem a biografia do “Che”, eram justas e apropriadas as palavras do filósofo francês. Ou também as palavras de Nelson Mandela: “Guevara é uma inspiração para todos aqueles que amam a liberdade no mundo!”

Penso que boa parte dessa dignidade se devia ao fato de que Guevara não tinha a obsessão pelo poder. Ao contrário, após ser ministro do governo cubano quando da vitória da revolução, o “Che” apresentou-se várias vezes para outros combates pelo mundo, dando sua vida por uma causa que considerava justa, sendo assassinado nas selvas da Bolívia. Nenhum sentido de heroísmo, é bom salientar, mas o destemor sincero em lutar pelos mais pobres e desvalidos.

Outro filósofo, esse brasileiro, e em tempos bem mais recentes, o professor Paulo Arantes, fez sobre o cidadão José Serra a seguinte pergunta: “O que será que pensa esse rapaz?”

Já decidido a encerrar o artigo por aqui, dei-me conta de que um leitor mais atento poderia indagar: mas e os répteis? De fato, eu não poderia terminar a fábula sem, pelo menos enaltecer, algumas qualidades dos répteis, como a peçonha das serpentes que serve de matéria prima para o próprio antídoto contra as suas picadas. Ou a incrível qualidade de transformação de um camaleão diante das adversidades enfrentadas na natureza, ou ainda – mesmo com toda campanha pela preservação das espécies – poder admirar as bolsas e sapatos conseguidos de crocodilos e jacarés desavisados.
Peço, então, licença ao professor Paulo Arantes e pergunto aqui sobre os répteis: o que será que eles pensam?

Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros “Teatro de Arena, uma estética de resistência”, da Boitempo Editorial e “Venezuela, povo e Forças Armadas”, Editora Caros Amigos.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eu e as seduções do futebol


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu gostaria de falar de algumas das minhas experiências no que diz respeito a essa paixão nacional que é o futebol.
Quando era menino, até que me interessava por futebol, mas hoje, não mais. Mesmo naquela época, eu não tinha tanto entusiasmo por  esse esporte quanto os outros garotos de minha idade. Mas de uma coisa eu sempre soube: eu era um excelente, magnífico e estupendo perna-de-pau. Nunca era escolhido para os rachas no colégio. Uma lástima, portanto.
Eu torço pelo Santa Cruz Futebol Clube desde que me conheço por gente. O Santa é um time de futebol  de Recife, que nasceu em 03 de Fevereiro de 1914 no Pátio da Igreja de Santa Cruz, no bairro da Boa Vista. Depois, nos anos 40, seguiu para o bairro do Arruda onde sua sede e seu estádio estão até hoje. Sua mascote é a cobra coral. Só pra esclarecer: Todos lá em casa, menos minha irmã mais velha, torciam pelo Santa, o tricolor (vermelho, branco e  preto) de Recife. Ela era torcedora  do Sport Club Recife, portanto a ovelha (rubro)negra da família.
 Fui criado acompanhando futebol pelo rádio, junto ao meu pai; as vozes de Barbosa Filho, Luiz Cavalcanti, Ivan Lima, Zé Santana, Jota Soares, entre outros locutores e comentaristas, ressoavam pelas ondas da PRA 8, Rádio Jornal do Commércio, Radio Olinda nas noites de quarta-feira e nas tarde de domingo.  Foi mais crescido que fui levado, pela primeira vez, para assistir a um jogo de futebol profissional. Foi no estádio Aldemar da Costa Carvalho, do Sport, a Ilha do Retiro. Foram eu, meu tio que era Santa Cruz doente e meus primos. Fomos assistir ao clássico entre Santa Cruz e Sport,  que lá em Recife é chamado de Clássico das Multidões, por se tratar do ajuntamento das duas maiores torcidas do Estado de Pernambuco.  Eu ia a jogos de futebol só eventualmente.  Mas foi em  três ocasiões,  que o futebol  me marcaria com suas travas mágicas de sedução.
Sedução I - Givanildo X Pelé
A primeira foi na Ilha do Retiro, num jogo entre o Santa e o Santos Futebol Clube de Santos, São Paulo em 1970. – acho que os céus estavam em pleno agito vendo tanta santidade junta naquela tarde de domingo!  Foi nesse jogo onde, pela primeira vez, eu vi,Pelé, o rei do futebol, jogar. A presença desse jogador em campo me impressionou, não só por suas jogadas magistrais, mas porque eu nunca tinha visto em minha vida, um negro com aquela complexão física. Ele era perfeito. Os negros que eu conhecia  eram raquíticos ou mal nutridos, nada parecidos com aquele homem, cujo  uniforme branco que trajava, lhe dava imponência, majestade e, portanto, superioridade diante dos demais em campo.  - É sabido que Pelé não mede mais que um metro e setenta de altura, mas ele parecia ter mais de dois metros. Um gigante! Uma perfeição da natureza; um deus de ébano, como se costumava falar nas narrações rádio esportivas daquela época. Porém, como nem tudo no mundo  é perfeito e por mais que me parecesse ao contrário, ao vê-lo de perto, num é que aquele deus de ébano, aquele monumento de atleta foi parado por alguém que era o avesso da forma perfeita representada por ele?! Pois é, esse avesso era um jovem, nascido em Olinda, Pernambuco, cujo físico ficava entre a desnutrição e a má formação óssea. Era como se a natureza  tivesse lhe negado o direito a bacia, ou o que chamamos de cintura, quadril. A cabeça e o corpo iam direto para as pernas! Foi  esse exemplar humano de tão pouca exuberância física, portanto,  quem levou por terra a tese de que corpo perfeito era o máximo da perfeição atlética humana. O nome do rapazinho franzino era Givanildo Oliveira, ou simplesmente Giva. Naquela tarde, o garoto esquálido não deixou o rei do futebol  jogar o que sabia. O perseguiu por todos os cantos do campo, tal qual marido ciumento. Naquela tarde de domingo, o Santa ganhou a partida e o Peito de Pombo – este era seu apelido -  virou o  rei do Arruda.  O único gol da vitória foi de Luciano “Maravilha”. O menino de Olinda foi consagrar-se no Sport Club Corinthians Paulista e, posteriormente, na seleção nacional. Hoje, Giva é treinador de futebol.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Deus escreve certo em pernas tortas!


Outro dia, o danado do futebol me emocionou. Não foi no campo, não, muito menos assistindo uma partida pela TV. Foi quando estava lendo um dos trechos do livro “Futebol ao Sol e à Sombra” do uruguaio, Eduardo Galeano sobre Mané Garrincha que, infelizmente, nunca cheguei a ver jogando - só através de filmes e videotapes -, e de quem eu sou fã de incondicional. E foi por causa dessa emoção que decidi  postar o trecho do livro aqui no meu blog, para vocês. Aliás, no dia 03 de Setembro, Eduardo Galeano fez 72 anos.
Aqui vai:
“Garrincha
Algum de seus muitos irmãos batizou-o de Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos o desenganaram: diagnosticaram que aquele anormal nunca chagaria a ser um esportista. Era um pobre resto de fome e de poliomielite, burro e manco, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e as duas pernas tortas para o mesmo lado.
Nunca houve um ponta direita como ele. No Mundial de 58, foi o melhor em sua posição. No Mundial de 62, o melhor jogador do campeonato. Mas ao longo de seus anos nos campos, Garrincha foi além: ele foi o homem que deu mais alegria em toda a história do futebol.
Quando ele estava lá, o campo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava que lhe tomassem a bola, menino defendendo sua mascote, e a bola e ele faziam diabruras que matavam as pessoas de riso: ele saltava sobre ela, ela o expulsava, ela o perseguia. No caminho os adversários trombavam entre si, enredavam nas próprias pernas, mareavam, caíam sentados.
Garrincha exercia suas picardias de malandro na lateral do campo, no lado direito, longe do centro: criado nos subúrbios, jogava nos subúrbios. Jogava para um time chamado Botafogo, e esse era ele: o Botafogo que incendiava os estádios, louco por cachaça e por tudo que ardesse, o que fugia das concentrações, pulando pela janela, porque dos terrenos baldios longínquos o chamava alguma bola que pedia para ser jogada, alguma música que exigia ser dançada, alguma mulher que queria ser beijada.
Um vencedor? Um perdedor com boa sorte. E a boa sorte não dura. Bem dizem no Brasil que se merda tivesse valor, os pobres nasceriam sem cu.
Garrincha morreu sua morte: pobre, bêbado e sozinho.”
- Futebol ao Sol e à Sombra – Eduardo Galeano, (tradução Eric Nepomuceno e Maria do Carmo Brito – Edição Atualizada) L&PM Pocket/1995 - Garrincha – (pgs 106-107) -

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Literatura aplicada


Crônica de uma resenha positiva acerca de um infame literato burguês

Por Hélio Jorge Cordeiro

Nietsche morreu de fome. Mas jamais alguém disse isso. Morreu, porque nunca viveu de fato e, mesmo que tivesse vivido, não poderia morrer.

Tão ilusório quanto as barbas da princesa barbada, é o sujeito que tenta ser uma coisa que não está na sua essência como pessoa, mesmo aprendendo pelos cânones da mais pura e exemplar escola de letras existente no planeta.

O sujeito dedica anos de sua diminuta existência fabulando a ideia de ser escritor, poeta e afins, mas sem o mínimo de jeito ou pendor. Mesmo assim, esse sujeito de Deus arvora-se ao trato da escrita, como quem defeca ou mija todas as manhãs. Ilude-se, eleva a sua já tão pequena alma aos píncaros dos céus, quando não, ao panteão dos ilustrados seres que pululam os saraus literários, as resenhas críticas dos jornalecos diários e/ ou semanais das grandes cidades.

Mesmo vendo-se pequeno tal qual uma ameba, ainda assim, crê de pés juntos que é mesmo um escritor, poeta. O coitado não consegue ver sua vida se esvair como uma menstruação desregrada ou até mesmo, no caso dele, como uma diarreia sem limites, provocada por um pastel de camarão vencido depois de pescado no defeso.

Pobre criatura. Ínfimo destino será o dele, mas ele não o sabe e ainda existem pessoas - pessoas é a forma mais educada de falar - que lhe dão um salvo conduto para que esse completo idiota siga em frente com seu “destino”. Tudo porque a vida não vale uma página de um contista medíocre e sem muito zelo pela própria mediocridade.

Assim é Y.K. Watanabe. Nascido peruano, de descendência japonesa, distribuiu suas”obras” por Lima, São Paulo, Paris, Tóquio, Barcelona, Nova Iorque, Berlim e tantas outras cidades, cujas livrarias não passam de prostíbulos refinados, à cata de clientes ávidos por um tipo de satisfação de nome impublicável.

Obras publicadas:

Cerejeiras nuas (1968), O Senhor Yojiro e o baiacu verde (1973), Guerra no céu de Agosto laranja (1976), O Transistor nuclear (1974), O suicídio da senhora Nenji (1977), Sonhando com o menino de azul na casa de chá (1979), Nuvens brandas de Hiroshi (1980), A casa do ferreiro Kazuo (1982), O Derradeiro arroz do amor (1990), Bambu amargo (2008), O colibri de asas quebradas ( 2011); todas editadas pela Editora Shiatsu Koy.