sexta-feira, 28 de junho de 2013

Bufando!






















Esses dias tem sido um marasmo só. Uma puta chatice. Acometido por um virose, que bem poderia se chamar Movimento Passe Livre, eu passei o diabo esta semana. O meu nariz vazava mais que notícia ruim do planalto. Não tive vontade de fazer absolutamente nada. O que consegui foi vasculhar algumas coisas nas minhas pastas e encontrei um textinho (isso mesmo, textinho!) que publico aqui e agora, antes que eu fique mais puto da vida do que já ando e não publique mais porra nenhuma!

VIDA, BUFA ÓPERA
Por Hélio Jorge Cordeiro

Às vezes eu penso que a vida
É uma grande ópera bufa
Com uma imensa quantidade de gente no elenco
Com um entra e sai absurdo de atores e atrizes
E cujo Diretor,
Não para de ensaiá-la
Todo santo dia.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Com um friozinho nos pés




























COM UM FRIOZINHO NO PÉS

Por Hélio Jorge Cordeiro


Dizem que, com a idade avançada, nós diminuímos de tamanho. A coluna enverga ou são as pernas que encurtam? O que eu sei é que ando com estranhas dores nas pernas e isso aconteceu desde o dia em que eu acordei, como não era de costume, bem cedinho. 


Naquele dia, não levantei de imediato. Fiquei deitado. Olhei em direção à janela. O sol continuava lá, brilhante, alheio à minha ínfima presença no mundo. Minutos se passaram até que decidi me levantar, mas voltei atrás, pois algo me dizia que eu tinha crescido durante o sono. Como era possível?! Estiquei-me todo e vi, com espanto, que meus pés ultrapassavam os limites da cama. Mas como?! Perguntei-me, outra vez, agora mais alarmado do que antes.


Pus-me a respirar fundo e sequenciado. Logo me dei conta de que aquilo não era nada mau, já que, ao exercitar a respiração, eu me lembrei dos tempos de menino, quando faziam de tudo para eu ter uma altura de jogador de basquete, o que, na realidade, nunca aconteceu. Meus pais eram pessoas de baixa estatura. Minha mãe dizia que não queria que seu querido filho ficasse baixinho, pra não servir de chacota junto aos meninos da escola e nem junto à vizinhança. Com essa determinação, ela resolveu, desde cedo, me submeter a diversos exercícios: como me deixar pendurado no galho da mangueira atrás de casa, por minutos a fio; amarrar-me na cama, como naquela roda de tortura da idade média, me deixava esticado por horas, depois que eu chegava da aula. Mas, verdade seja dita, nunca me faltaram os lanchinhos feitos com esmero próprio das mães zelosas. Um saudável martírio, pois. Não é que todo aquele sofrimento deu resultado?! Terminei crescendo e ficando com a altura acima da dos meus pais.


Mais calmo, mesmo assim me perguntei, outra vez, como podia aquilo estar acontecendo àquela altura da minha idade? Mas nada me chegou à mente como uma razoável resposta. O que estava acontecendo comigo era mesmo um milagre, apesar de duvidar de que tal fenômeno fosse possível de acontecer a um sujeito que tinha como religião o ateísmo. 


Olhei para os pés e achei-os iguais. Mesmo assim, fui direto aos sapatos e calcei-os. Perfeitos! Nada acontecera com eles. Os dois continuavam a calçar 42. Menos mal, voltei a pensar. Mas... e as roupas? Fiquei, finalmente, de pé. O pijama estava mesmo pescando. Pensei nas calças e nas camisas, mas isso não era problema, já que estava na moda roupas curtas e justas, justifiquei aos meus botões. Tinha lido e escutado na TV algumas tendências da moda. Entretanto, eu sabia que não seria nada fácil a minha nova figura, quando chegasse à repartição. O que eu diria pra eles? Eu sempre fora um sujeito comedido no vestir, discreto até demais. Cafona, cai melhor. E o que eu diria a eles? O que tinha acontecido comigo para aparecer assim, com ares de rapaz moderno, na moda, com essa idade? Abarrotado de interrogações, mais do que questionário do IBGE, deixei as respostas para os momentos apropriados. Me vesti e fui tomar o meu café da manhã.

Ao chegar à cozinha, Joana já havia postado tudo no seu devido lugar: café, leite, bolo de rolo, suco de laranja, queijo light e bananas. A velha negra me cumprimentou com seu indefectível “bonsdias, Arizinho” e não falou mais nada. Não havia notado a mudança, pensei. Quiçá, devido à idade avançada. Outro dia reclamara que andava com “dificulidade” em enxergar o buraco da agulha. Mas será que ela não notou nenhuma diferença? Fui escovar os dentes e, em seguida, fui embora, mas não sem antes lhe fazer uma pergunta: "Joana, não notou nada de diferente em mim?” e ela, lavando a louça, me respondeu: “Hum, xôver, ah...” Eu logo vi que era impossível aquilo passar despercebido por ela e perguntei: “Ah? Então o que é?” Ela falou olhando-me de cima abaixo: “Arizinho tá “carsando” aquele sapato de “sarto” baixo, numé?” Incrível! A pobre, em vez de notar que eu havia crescido na altura, notou justamente o contrário, que eu havia diminuído. Com isso, voltei pra sala, peguei as chaves do carro e fui embora para o trabalho. 


Na repartição, bati o ponto e fui pra minha escrivaninha. Ninguém, ao contrário do que havia imaginado, reparou que eu havia dado uma espichada. Mas a minha estupefação veio quando o Marialvo chegou ao meu lado e disse: “Ari, meu caro, acho melhor tu arranjar a bainha das calças.” Puxa, até que enfim alguém reparou. Mas fiquei mais que estupefato quando ele concluiu dizendo: “Joana precisa levantar essas bainhas. Estão ridículas arrastando no chão”. Aí eu perdi a paciência e me levantei dizendo: “Tás ficando louco, Marialvo!” Mas logo me calei ao ver que, realmente, as barras de minhas calças estavam arrastando no chão. Não havia reparado que eu diminuíra de tamanho. Aquilo me deixou aflito. Peguei o meu paletó e avisei que estava indo embora, pois não estava me sentindo bem. Corri direto para o estacionamento. Peguei o carro e fui pra casa, mas na primeira esquina, um caminhão carregado de frangos, atravessou à frente de meu fusca e pum! Acertou-me por inteiro. Levei um pancada na cabeça e morri.


O pessoal da repartição, principalmente, o Marialvo, tratou dos assuntos funerários juntamente com Reginaldo, um primo que eu não via fazia anos. Compraram o caixão e tudo mais para o velório. Me retiraram do IML depois de ser tratado. Disso, Joana fizera questão de cuidar. Deixaram-na com a tarefa, talvez porque o meu corpo não havia sofrido a ponto de me deixar desfigurado. Naquelas condições, era possível me deixar nos trinques como poucas vezes me viram.


Reginaldo chegou com o caixão, com o pessoal da funerária. Mas o meu corpo não coube, para espanto de todos. Meus pés ultrapassavam os limites do ataúde. “Mas eu medi! Nunca erro nessa tarefa!” - disse o agente funerário. Voltaram a medir meu corpo.


Joana esperou mais de três horas por outro caixão. Reginaldo e Marialvo haviam levantado os preços e a funerária mais barata ficava nos limites da cidade e de lá, no trânsito infernal que estava, ida e volta levava um tempão. 


Joana cochilava sentada ao lado de meu corpo, que ficara numa maca, quando os dois chegaram com um novo caixão. Chamaram os enfermeiros e foram me colocar no caixote. Só que este último ficara grande. Sobrando! Cabiam dois! Eles não acreditaram. Correram para fechá-lo antes que eu voltasse a crescer outra vez. 


Fui enterrado por fim, mas, o que continua me incomodando, às vezes, é um friozinho nos pés, que ficaram pra fora da cova e que me provoca essas dores nas pernas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Filosofia à beira mar























A BALEIA, O HOMEM E O AUTOR
Por Hélio Jorge Cordeiro
 
Cansado, ele decidiu desparecer, espichar o corpo o quanto pudesse ou aguentasse. Seguiu por uma trilha até um rochedo, incrustado na falésia como uma cereja meio deslocada do topo de um bolo. Espichou-se. Ouviu todas as suas vértebras cantarem. Retornou a seu estado normal; curvado. Tinha a altura de 1,89 cm e de longe parecia um arco. Seu nome? O chamavam de Moby Dick.


Divisou lá embaixo, junto às pedras, onde as ondas teimavam em quebrar todos os dias, uma coisa que não conseguia identificar. Sabia que era grande, talvez três vezes maior que ele ou mais. Desceu cautelosamente o rochedo, crostas e covas, saliências pontiagudas e cortantes. Foi descendo. Finalmente, já na areia da praia, foi deixando suas pegadas pra trás. Logo, uma a uma, as pequenas marolas se encarregaram de apagá-las. 


Quando se aproximou, deu de cara com uma baleia. Ela era mesmo enorme. Parecia morta. Os olhos estavam cerrados. Seu corpanzil estava imerso pela metade na areia. Sequencialmente, as ondas lhe banhavam o corpo por completo. Apoiou-se na lateral do animal e tentou circundá-lo, mas assustou-se quando escutou uma espécie de mugido seguido de um bocejo rouco.  O corpo do cetáceo fez um movimento em pendulo fazendo-o desabar na água, molhando-se dos pés à cabeça. 


- Está viva! – gritou ainda engasgado com areia, água salgada e um punhado de sargaço.


Retomou o equilíbrio e voltou para a frente da baleia. Inquietou-se, pois não conseguia olhá-la nos olhos. Nos dois olhos, claro. Decidiu então ficar de lado para poder fixar melhor o seu olhar através de um dos olhos do bicho. Pensou: “este olho é maior que a minha cabeça! “ Este pensamento lhe pareceu inadequado, então ele corrigiu e voltou a pensar: “ a minha cabeça é menor que este olho!” 


Olá! – falou a baleia, com uma voz maviosa, daquelas que escutamos sempre em narrativas de fábulas. 


- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! – exclamou Moby Dick, ainda aturdido com o fato de estar ouvindo uma baleia falar.


Moby Dick olhou para os lados e depois para o alto, onde estivera anteriormente e logo descera. Certificou-se de que não havia ninguém a vê-lo dialogar com o animal marinho. “Ninguém à vista!”  pensou e aliviou-se.


- Olá... Mas você fala?! – disse ele e inquiriu ao mesmo tempo.


- Sim. Qual é o problema? Você não está falando também? – disse a baleia.

- Mas eu...


O animal o interrompeu:


- Eu era para estar confusa e surpresa por você falar comigo, mas nem por isso eu fiquei assim... aturdida... – disse a baleia.


- Mas eu...


Outra vez interrompido, Moby Dick não conseguiu formular sua justificativa:


- Vamos fazer o seguinte: você volta lá para trás e vem aqui pra frente e diz pra mim: 

Olá!  – propôs a baleia.


- Como é? – disse Moby Dick.


- Vamos lá! Você entendeu. Vamos, vá lá para trás e volte. Em seguida olhe pra mim e fale: Olá! – ordenou a baleia.


Moby Dick ficou um pouco intimidado com a proposta e obedeceu. Foi para a traseira do animal e, como ela pedira, voltou e disse quase de forma teatral: 


- Olá!


- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! –, com um ar de surpresa e susto exclamou a baleia, também de forma teatral, arregalando o único olho que Moby Dick podia divisar.


Moby Dick ficou olhando-a sem dizer uma só palavra. Assim também ficou a baleia.


- Então? – perguntou ela.


- Então o quê? – ele a indagou de volta.


- Você não diz: Olá! Mas você fala?! – falou o cetáceo com ares de deboche.


- Não. – disse Moby Dick.


- Então? – ela quis saber se depois daquele “não”tinha mais...


- Então nada. – ele respondeu desmotivado.


- Está vendo? – falou ela.


- Está vendo o quê? – falou ele, com impaciência.


- Tem certas coisas que só valem para nos dar segurança. Para nos sentir parte do mundo como sendo maiores, melhores e únicos. Coisas desse tipo, você entendeu? 


- Sei não... – Moby ficou matutando...


A baleia começou a movimentar-se como se cachorro fosse. A sua força era tão grande que água e areia foram espalhados a metros de distância por tudo ao redor. Assustado, ele procurou se proteger.


- Está vendo? Isso é um pouco do que me faz sentir segura, maior, melhor e única. – disse a baleia com ares de superioridade.


- Puxa. Você sabe ser mesmo convincente. – falou ele, limpando-se, mais uma vez, dos pés à cabeça.


Ele, a essa altura, já havia abstraído o fato de estar mesmo conversando com uma baleia e então ...


- Já que você fala, creio que tem um nome. Acertei? – perguntou ele carregando no tom de sarcasmo e ironia.


- Claro. Chamam-me de Herman Melville. – disse ela com certo orgulho.


- Herman Melville?!


- O que ele tem de errado? – indagou, ela, com surpresa.


- Bom, é que é um nome esquisito. Parece até nome de gente e não de...  Ah, você não sabe diferenciar uma coisa de outra, não é mesmo?...


- Quer apostar? – respondeu indagando, Melville.


- Era só o que me faltava! – debochou, ele.


- Veja bem, senhor... A propósito, como o chamam? – a baleia perguntou, com uma clara insatisfação e má vontade.


- Moby Dick . – respondeu ele.


A baleia contorceu-se toda e começou a se sacudir como fizera antes. 


- Essa é mesmo muito boa!  - disse a baleia caindo na gargalhada.


- Que é que tem meu nome de errado?- perguntou Moby.


- Tá vendo? Agora você se indigna, por eu achar o seu nome esquisito. Um contrassenso.


- Mas... Deixa pra lá. Uma perguntinha... O que faz você aqui na beira da praia... Não é perigoso? Você não pode ficar encalhada? Aliás, você parece estar encalhada.


- Não. Não estou. Se eu posso falar, posso qualquer coisa, não é mesmo?


- Humm... É, faz sentido. 


Moby ficou matutando sobre o assunto, até que...


- Outra coisa...


- Sim, pois não.


- Será que você não é fruto de minha imaginação? Um delírio meu?


- Mas não será ao contrário? Você é que pode ser um delírio meu! Hein?


- Não pode ser...


- Por que não, senhor... Moby Dick? Por que apenas o senhor pode ter delírios e não eu? Será que o senhor aqui ao meu lado me contestando não se trata de um delírio de minha imaginação, hein?


- Mas este relato começou comigo lá em cima... – disse apontando para o topo da falésia.


- Mas quem disse que eu daqui de baixo, já não estava observando o senhor se espreguiçando que nem uma morsa lá em cima, depois o acompanhei descendo, até o senhor falar comigo?


- Eu disse que o relato começou falando de mim... E de nosso encontro aqui embaixo... Por alguém... – refletiu Moby Dick.


- Não seria esse alguém eu? – afirmou a baleia cheia de confiança de que acabara com a discussão naquele instante.


- Ou por outro lado poderia ser eu. – afirmou Moby, demonstrando confiança ainda maior do que a sua interlocutora.


- Mas você teria que se referi a você como Eu... Por exemplo: “Cansado, Eu decidi desparecer, espichar o corpo o quanto pudesse.” Bla, bla, bla...


- É verdade. Concordamos uma vez. E quem seria esta terceira pessoa, hein?


- Minha imaginação? – Melville falou com convicção.


- Ou minha imaginação? – retrucou Moby, por sua vez.


- De qualquer forma, esse alguém deve estar nos observando e nos ouvindo agora... – disse a baleia, parecendo dar-se por vencida...


- Olha, se este relato começou comigo... Pode ser que o relator seja eu na terceira pessoa, mas sem querer dar a entender que sou eu, entendeu? Como? Omitindo o uso do Eu isso, Eu aquilo... – falou Moby convencido que convencera Melville.


- Mas de jeito nenhum. Como você está vendo, eu posso falar e pensar. Pode ser o meu pensamento relatando, baseado no que eu estava vendo. Lembra? Começou com você lá em cima se espreguiçando etc, etc.


- Você parece mesmo um... como se costuma dizer: Você é mesmo um osso duro de roer!

A baleia voltou a se remexer e a gargalhar mais e com maior estardalhaço que da primeira vez.


Moby começou a ficar constrangido com aquela situação. A atitude de Melville o fez ficar deveras desconfortável. Para ele, aquilo era ridículo... 


- “Agora essa! Eu virar motivo de chacota de uma baleia!” – pensou ao mesmo tempo em que Melville bocejava, tediosamente. 


Moby sentia que aquilo era demais para os seus brios. Para a sua condição de ser inteligente e superior na cadeia animal do planeta. 


Mesmo diante de tanta petulância da baleia, Moby Dick continuou a conversar sobre outras coisas menos importantes, enquanto o dia se esvaía com o sol a se desmanchar no horizonte.


Ah, a propósito, agora que acabei de narrar esta história, quero me apresentar: chamo-me Ahab e sou uma gaivota em busca de peixes acrobatas que, por um acaso, parou para descansar na mesma praia onde Moby Dick e Melville se encontravam.

Hoje voltei ao Recife



Gente, hoje amanheci lembrando de lugares de meu Recife na minha infância: Casas Viana Leal, Slopper, Adolfo de Figueiredo (onde minha saudosa irmã trabalhou), Mesbla, Motinha, AkiDisco, Livro Sete, Sapataria Clark, Sertanzinha, Cinema São Luís, Bar Savoy e por ai vai...

Pra lembrar este último, o Bar  Savoy, aqui vai um soneto do grande poeta Carlos Pena Filho (foto):

Chopp


Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,

 trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados

Carlos Pena Filho

(1929-1960)