sexta-feira, 30 de maio de 2014

O LIVRO DA SEMANA








































Pessoal, aqui está uma das mais belas e emocionantes obras do grande escritor russo Fiódor Dostoiésvki para ser curtida este final de semana. Click aqui em baixo no título do livro e boa leitura!

OS IRMÃOS KARAMAZOV

terça-feira, 27 de maio de 2014

O monólogo interior ou fluxo de consciência































Pessoal, eis aqui um exemplo de monólogo interior, técnica empregada por autores como Virginia Woolf, James Joyce, William Falkner e aqui Autran Dourado, Clarice Lispector, entre outros. Esta forma de narrar, tem sido perseguida por muitos autores , mas nem todos conseguem entrar profundo na psiqué de seus próprios personagens. Esse assunto, veio à tona, à baila, como queiram, porque andei analisando minhas formas de escrever. Nos meus livros já editados e mesmos nos por ainda editar, eu faço pouco uso dessa “técnica”, talvez por ser mesmo difícil, mas também porque eu prefiro revelar o “sujeito interior de meus personagens”, através de suas ações e diálogos, só que este último é, de forma geral, passível de falácias, tanto quando saídos da bocas dos personagens, quanto de nossas próprias bocas.


Bom, aqui está um exemplo, que extraí do Wikipédia para vocês:


Virginia Woolf - “Such fools we are, she thought, crossing Victoria Street. For Heaven only knows why one loves it so, how one sees it so, making it up, building it round one, tumbling it, creating it every moment afresh; but the veriest frumps, the most dejected of miseries sitting on doorsteps (drink their downfall) do the same; can't be dealt with, she felt positive, by Acts of Parliament for that very reason: they love life. In people's eyes, in the swing, tramp, and trudge; in the bellow and the uproar; the carriages, motor cars, omnibuses, vans, sandwich men shuffling and swinging; brass bands; barrel organs; in the triumph and the jingle and the strange high singing of some airplane overhead was what she loved; life; London; this moment of June.” (Projeto Gutemberg Austrália, 1925 pay 1. acesso em 26 abril 2013)


Tradução: “Como a humanidade é louca, pensou ela ao atravessar Victoria Street. Porque só Deus sabe porque amamos tanto isto, o concebemos assim , elevando‑o, construindo‑o à nossa volta, derrubando‑o, criando‑o novamente a cada instante, mas até as próprias megeras, as mendigas mais repelentes sentadas às portas (a beberem a sua ruína) fazem o mesmo; não se podia resolver o seu caso, ela tinha a certeza, com leis parlamentares por esta simples razão: porque amam a vida. Nos olhos das pessoas, no movimento, no bulício e nos passos arrastados; no burburinho e na vozearia; os carros, os automóveis, os ónibus, os camiões, homens‑sanduíches aos encontrões, bamboleantes; bandas de música; realejos, no estrondo e no tinido e na estranha melodia de algum aeroplano por cima das nossas cabeças, era o que ela amava, a vida, Londres; este momento de Junho. Porque era em meados de Junho.” (Mrs. Dalloway, 1925, trad. port. Lisboa, Ulisseia, 1982, pp.5-6)


segunda-feira, 26 de maio de 2014

Lembrando e ao mesmo tempo esquecendo para sempre.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta foi uma postagem  de muito tempo atrás sobre  como criar finais de supostas narrativas e , acredito, ainda está válida:
“Adélia levantou-se. Foi até a cozinha. O relógio no topo da parede dizia 8:35. Abriu a geladeira e retirou uma maçã. Não costumava fazer isso. Não comia pelas manhãs. Deu uma mordida e a deixou sobre o balcão.  Olhou-se no espelho do corredor. Olhos extremamente inchados.
Na sala, abriu a cortina. Uma claridade  intensa. Sorriu. Sentiu os olhos. A luminosidade lhe incomodava. Procurou pelo seu gato. Não o achou. “ Será que o deixei lá fora ontem a noite?” Não arriscou sair para procurá-lo.  Adélia sentou-se na velha cadeira de balanço. Procurou ficar bem confortável. Olhou em volta. Tudo continuava igual de quando chegou naquela casa há 35 anos, menos a presença de Erasmo.  Olhou para um bilhete que trazia guardado no sutiã. Deixou-o cair no assoalho.
Adélia concentrou-se  num sibilar que vinha da cozinha e sentiu o cheiro intenso de metano, adormeceu com um sorrisozinho no rosto, lembrando-se da sorte que teve o gato naquela manhã.”

sábado, 24 de maio de 2014

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Lembram do Zé Rodrix?





Pessoal, copiei da revista Cult esta matéria para lembrar do talentoso brasileiro, Zé Rodrix. Lembram dele e do Guarabira?

“Soy Latino Americano”

"Relembrando os cinco anos de morte de Zé Rodrix, CULT resgata memórias da vida e obra do cantor,compositor e escritor."

Patrícia Homsi


“Zé Rodrix, por sua luz própria, era da elite artístico-literária de alta fama e prestígio… Mas, nunca esqueceu seu RG – José Rodrigues Trindade, tão simples que só reivindicava: ‘Eu quero uma casa no campo/ Do tamanho ideal, pau a pique e sapê/ Onde eu possa plantar meus amigos/ Meus discos e livros e nada mais’”, escreve José Messias, cantor, compositor, apresentador e amigo de Rodrix no prefácio de seu livro publicado postumamente, O cozinheiro do rei (Madras, 2013). Cantor, compositor e escritor, Zé Rodrix faleceu há cinco anos, deixando um legado de canções e livros.

Desde criança, Zé Rodrix começou a tocar piano, saxofone, acordeão, flauta, bateria, violão, trompete. Como brinca José Messias, “com os recursos tecnológicos modernos, sozinho, seria uma orquestra de bom tamanho”. Autor de jingles publicitários de sucesso e de canções como Soy Latino Americano e Casa no campo – citada por José Messias e eternizada na voz de Elis Regina – Rodrix se consagrou em trio com Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra (Sá, Rodrix e Guarabyra) e se aventurou pelos instrumentos do primeiro disco da banda Secos e Molhados e até mesmo pelo movimento punk, com a precursora banda Joelho de Porco. Como conta a mulher de Zé, Julia Rodrix, Sá, Rodrix e Guarabyra se davam muito bem: eram amigos e escutavam todo o tipo de música. “Cada um trazia sua contribuição, mas eles ouviam de tudo!”, conta Julia. No entanto, nos domingos em que “acordava inspiradíssimo”, Zé Rodrix recorria ao piano para tocar tangos frequentes.

Para Julia, Zé escreveu canções como Fronteiras do amor e Amor e paixão, “duas músicas lindíssimas”, mas foi em Coisas pequenas que ela encontrou a emoção do encontro com o amado: “Nós dois tivemos muitos amores/ Antes de cruzar um com o outro”. Este cruzamento se deu em 1985, num teste de elenco em que Julia era a diretora. Pai de seis filhos (dois do relacionamento com Julia), o artista havia se desligado da carreira na música popular após a morte de Elis Regina, intérprete de Casa no campo. “Não era o Zé de Casa no campo, mas o da Voz do Brasil, maior produtora da América latina.” Na época dos olhares entre Julia e Zé, o compositor ainda era casado, mas a separação viria meses depois: “’Me separei para namorar com você’, ele me disse”, conta Julia.

Além do gosto extremamente eclético por músicas de todos os estilos, Zé Rodrix também era apaixonado por literatura. “Ele era do tipo que lia até lista telefônica. Tomava café da manhã lendo e ia dormir lendo, terminando uma média de 4 livros por semana”, relembra Julia Rodrix. Apaixonado por gibis, livros de ficção científica, arquitetura, cabala e principalmente História, por volta do ano de 2000, Zé começou uma trilogia inspirada na maçonaria. “Seu avô era maçom, seu pai também. Ele era muito dedicado à maçonaria. Para escrever a Trilogia do Templo, Zé conseguiu uma licença que possibilitasse o trânsito entre todos os ritos”, explica Julia.

Após acabar a Trilogia do Templo, o caminho natural de Zé Rodrix era sua próxima trilogia, inacabada em decorrência de sua morte. “Ele fez a trilogia da maçonaria no mundo, agora faria a história da maçonaria no Brasil. Toda a família do Zé era de Rio das Contas, na Bahia, então ele teve a ideia de fazer o caminho como o de Santiago de Compostela pela Chapada Diamantina. Ele se deparou com história dos tropeiros, se encantou e, daí para O cozinheiro do rei, foi um passo”. O caminho culinário de O cozinheiro do rei foi decisão fácil: Zé adorava cozinhar e envolvia todos os amigos do casal em jantares.

Carinhoso e de prazeres simples, Rodrix se recusara a utilizar dinheiro público em suas obras e lutava contra as grandes empresas detentoras das leis para a música. O espírito questionador do artista pode ser visto em seu depoimento cedido a Elias Nogueira, numa de suas últimas entrevistas: ao saber do relançamento de seus três primeiros álbuns em carreira solo por uma grande gravadora, Rodrix resolve ir até a Galeria do Rock, em São Paulo, e autografar cópias piratas dos discos. “Ele acabava dando a maior força para os piratas!”, brinca Julia. A exemplo de uma nova gravação de Coisas pequenas, a música preferida de Julia, por Luiza Possi, as inovações na música, na literatura e nas ações do compositor continuam gerando novas releituras.

terça-feira, 20 de maio de 2014

E-Books novinhos!
















Gente, acabei de lançar três e-books novinhos em folha aqui no blog. Vão aqui no lado e
é só clicar nas capas dos mesmos. Divirtam-se!

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Jesus Dean

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caríssimos, olhem só o textinho legal que surrupiei da revista Cult, de sua oficina literária:

Jesus Dean

Por Wemerson Araújo Dias
 
Era sábado, mais ou menos dez horas da manhã. Alguém batia palma lá fora e mesmo estando numa das piores ressacas de todos os tempos descobri quem era pela fresta da janela. Normalmente não atendo as Testemunhas de Jeová, mas essa garota era diferente. Ao me aproximar percebi uma saia muito mais curta que o normal. Decote bem generoso, mas ofuscado pela Bíblia. E, claro, vinte e poucos anos com um olhar cheio do vida pronta pra encontrar um cara metido a James Dean bem ali na esquina. “Bom dia, moço, posso falar com você um minuto?”, ela disse. “Claro, querida, todos podem”, respondi. Tirando a bíblia do caminho ela perguntou se eu acreditava em Deus. “Qual deles”, questionei. “Só na religião hindu existem mais ou menos 330 milhões. No xamanismo são diversos. Fora o cara que mora naquela caixa de papelão e diz ser Deus. Talvez seja”, concluí.”Vou deixar um folheto com você”, ela disse. Peguei o papel e a vi se afastar como a Diabo foge da cruz. “Ah, é uma bela manhã de sábado e lá se vai toda a minha esperança, montada na garupa do James Dean e com uma Bíblia entre os seios rígidos”, sussurrei. Só não fiquei triste porque os bares já estavam abertos aquela hora. Assim como as igrejas. Cada um tem o Deus que merece.

(Wemerson Araujo Dias, 29, jornalista em Sorocaba (SP))

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A Barra do Rio





















Gente fina de meu Brasil varonil, aqui está uma coisa boa, que não se vê nesses dias tão obtusos que vivemos, trata-se do texto do meu amigo Rui Bittencourt que está na revista itajaiense, Atalaia. Rui fala da Barra do Rio, lugar onde ele passou sua infância, com uma linguagem rica em detalhes, que pouco se vê por aí e gostosa de se ler. Quanto a Atalaia, essa nos trás em sua quarta edição, matérias da maior importância para a cultura local, assim como, uma feliz e competente entrevista com o grande escritor e poeta, Ferreira Gullar.

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Barra do Rio

Por Rui Bittencourt

Ninguém me contou nada, meninos... eu vivi !   Foram anos e anos de manhãs douradas, de tardes longas e ensolaradas ou de noites gélidas, arrepiantes e enigmáticas...
Antes disso, houve o final de uma guerra. O fim da Segunda Guerra Mundial. Em cinco anos suas cinzas se desvaneceriam no extasiante réveillon do início dos anos 50. Esta guerra finda nos deixou um legado: um herói nativo.  Um herói da nossa barra do rio.  Um herói que inflamou o nosso orgulho pátrio e a nossa imaginação infantil.

Próximo, de carne e osso, de boina verde e de roupa cor caqui. Algumas vezes o víamos.  Para a alegria da gurizada, concedia-nos um passeio no seu jipe verde-oliva, desde a venda do Nena Dauer, seu irmão, até a sua casa.  Um surrado gibi da época mostrava, num quadrinho único, o desenho da cena em que o nosso herói-vizinho Arquimedes Dauer aparece em ação num dos ataques pela conquista de Monte Castelo, em dezembro de 1944, no norte da Itália. 

Um herói do sul dos Estados Unidos do Brasil. Um herói de Itajaí, de Santa Catarina.  Nosso elo de ligação com a história do mundo. Poucos anos depois ele foi morar com a sua família na praia de Armação de Itapocoroi e desapareceu para sempre no horizonte da nossa memória infantil. Valoroso expedicionário. Viveu eternamente dessa luta...

No nosso bairro havia um rio. Às vezes calmo às vezes traiçoeiro.  Era feito a uma grande serpente adormecida.  O rio Itajaí-Açu lanhava impiedosamente as pedras do plano alto catarinense e descia apressado até espraiar-se sinuoso na nossa planície litorânea, antes de desaguar saciado no oceano Atlântico.
Havia também uma balsa que unia diuturnamente, o sul ao norte e o lado norte ao nosso lado sul do país... Por ela passaram todos os contos e sonhos da nossa infância...

 Uma vez o nosso rio afogou um balseiro conhecido nosso, o Hélio.  Ele morou uns tempos na estalagem da minha mãe, a dona Belinha. Fomos ao seu velório numa sala dos fundos da casa do seu Nem da Balsa.  Vi uma vela acessa e não vimos nenhum familiar seu. Morreu sozinho. Foi a primeira vez que eu vi um morto de perto.
Desse rio bebemos a nossa saga.  Gerações antes (tomei consciência disso alguns anos depois nas aulas de Latim dos salesianos), um honorável amante da nossa terra criara um inspirado e visionário lema que dizia: "ex flumine magnitudo mea" ... do rio vem a minha grandeza.

Hoje sabemos disso mais convictamente. Por isso e muito mais, morro de orgulho do meu lugar. Da minha origem humilde, mansa e gentil. Do meu instinto ribeirinho. Da minha antiga Barra do Rio e por consequência da nossa pequena pátria, Itajaí.

Se isso não bastasse, a minha época histórica é também invejável. Nasci exatamente em 1950. Mais do que isso, sou nascido a 04 de julho.  Usufruo anualmente do meu "Independence Day" particular. Assim, além do meu lugar, vim de uma década efervescente e marcante.

Acontecimentos nacionais e internacionais não cansavam de varar a boca da barra, a balsa e o campo de aviação nos fundos da minha casa e nos atingir estupefatos. Como reagimos e assimilamos a tudo isso, de acordo com a nossa cultura e formação suburbana é o que procuraremos relatar daqui para frente... Contaremos uma parte. Outros a completarão.  Nesse cenário bucólico o nosso circo será armado...  vai,vai,vai,  começar a brincadeira... Alea jacta est!


domingo, 11 de maio de 2014

Eveline!



















Pessoal, aqui está o conto “Eveline”, que surrupie do blog do Luis Nassif.  Quem ainda não leu “Dublinenses” que o faça, pois é mesmo uma maravilha de leitura e esse conto é a prova disso. 

Se deliciem, pois!



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CONTO TRADUZIDO, EVELINE, DE JAMES JOYCE - dom, 11/05/2014 - 11:07 - Atualizado em 11/05/2014 - 11:15



Sugerido por João Dom

Por Carlos William Leite, na Revista Bula


EVELINE



Por James Joyce



“Ela sentou-se à janela para ver a noite invadir a avenida. Encostou a cabeça na cortina e o odor de cretone empoeirado encheu-lhe as narinas. Sentia-se cansada.

Poucas pessoas por ali passavam. O sujeito que morava no fim da rua passou a caminho de casa; ela ouviu seus passos estalando na calçada de concreto e em seguida rangendo sobre o caminho coberto com cascalho em frente às casas vermelhas. Tempos atrás havia ali um terreno baldio onde eles brincavam toda noite com os filhos dos vizinhos. Mais tarde um indivíduo de Belfast comprara o terreno e construíra casas — mas não eram casas pequenas e escuras como aquelas em que eles moravam; eram casas vistosas de tijolo e com telhados luzidios. As crianças que moravam na avenida costumavam reunir-se para brincar naquele terreno — crianças das famílias Devine, Water, Dunns, o pequeno Keogh, que era manco, ela e seus irmãos e irmãs. Ernest, no entanto, nunca brincava: já estava crescido. O pai dela muitas vezes enxotava-os do terreno com sua bengala de madeira preta; mas geralmente o pequeno Keogh montava guarda e dava o alarme quando avistava o homem se aproximando. Apesar de tudo consideravam-se bastante felizes naquela época. Seu pai ainda não estava tão mal e, além disso, a mãe ainda estava viva. Isso tudo acontecera há muito tempo; ela, seus irmãos e irmãs tinham crescido; a mãe estava morta. Tizzie Dunn também morrera e a família Water havia retornado à Inglaterra. Tudo se modifica. Agora era a vez dela ir embora, como os outros, ia sair de casa.



Casa! Correu os olhos pela sala, revendo todos os objetos conhecidos, por ela espanados uma vez por semana há tantos anos, e perguntou-se de onde vinha tanta poeira. Talvez jamais voltasse a ver aqueles objetos conhecidos dos quais jamais imaginou separar-se um dia. Contudo, durante todos aqueles anos ela nunca viera a saber o nome do padre cuja fotografia amarelada se encontrava pendurada na parede acima da pianola quebrada, ao lado da gravura em louvor à beata Margarida Maria Alacoque. O padre fora colega de escola do pai dela. Sempre que mostrava a foto a uma visita ele repetia mecanicamente a mesma frase:

— Ele está em Melbourne agora.

Concordado em partir, em deixar a própria casa. Teria sido uma decisão sensata? Tentou analisar cada lado da questão. Em casa ao menos tinha um teto e comida; vivia entre pessoas que conhecia desde criança. É bem verdade que o trabalho era pesado, tanto em casa quanto no emprego. O que diriam na loja quando descobrissem que ela fugira de casa com um sujeito qualquer? Que era uma idiota, talvez; e sua vaga seria preenchida através de um anúncio no jornal. Miss Gavan ficaria bem satisfeita. Sempre implicara com ela, especialmente quando havia gente em volta.

— Miss Hill, não está vendo estas senhoras esperando?


— Mexa-se, Miss Hill, por favor!

Ela não derramaria muitas lágrimas por deixar a loja.

Em seu novo lar, num país distante e desconhecido, tudo seria diferente. Estaria casada — ela, Eveline. As pessoas a tratariam com respeito. Não seria tratada como a mãe o fora. Mesmo agora, que estava com mais de dezenove anos, sentia-se às vezes ameaçada pela violência do pai. Sabia que tinha sido isso a causa daquelas palpitações. Quando eram crianças ele nunca havia batido nela, conforme batia em Harry e em Ernest, porque ela era menina; mas ultimamente passara a ameaçá-la e a dizer o que faria com ela não fosse a lembrança da mãe falecida. E agora não havia mais ninguém para protegê-la. Ernest estava morto e Harry, que trabalhava com decoração de igrejas, estava quase sempre ausente, viajando pelo sul do país. Além do mais, o inevitável bate-boca sobre dinheiro todo sábado à noite começava a deixá-la exausta, mais do que qualquer outra coisa. Ela sempre entregava o salário inteiro — sete shillings — e Harry sempre enviava o que podia, mas o problema era conseguir arrancar dinheiro do pai. Ele dizia que ela desperdiçava dinheiro, que não tinha juízo, que não lhe daria o seu dinheiro suado para ser jogado fora, e dizia muito mais, pois geralmente ficava em péssimo estado nas noites de sábado. Contudo, acabava dando-lhe o dinheiro e perguntava-lhe se ia ou não comprar as provisões para o jantar de domingo. Então ela era obrigada a sair correndo para o mercado, segurando firme a bolsa preta de couro enquanto abria caminho na multidão com os cotovelos, e voltava para casa tarde, carregada de pacotes. Trabalhava pesado para manter a casa em ordem e garantir às duas crianças que haviam ficado sob os seus cuidados a oportunidade de frequentar a escola devidamente alimentadas. O trabalho era pesado — uma vida difícil — mas agora que estava prestes a deixar tudo para trás não considerava a vida que levava de todo indesejável.

Estava prestes a começar a explorar uma outra vida ao lado de Frank. Frank era um homem bom, viril, amoroso. Concordara em fugir com ele na barca noturna para tornar-se sua esposa e viver ao seu lado em Buenos Aires, onde ele possuía uma casa à espera dela. Com que nitidez se recordava da primeira vez em que o vira! Ele alugava um quarto numa casa na rua principal, que ela costumava frequentar. Tudo parecia ter acontecido há apenas algumas semanas: ele parado no portão, com o boné no cocuruto da cabeça e o cabelo despenteado caído sobre a testa bronzeada. Então começaram a se conhecer melhor. Ele costumava esperá-la todas as noites à porta da loja para acompanhá-la até em casa. Levou-a para assistir “The bohemian girl” e ela ficou radiante por sentar-se ao lado dele num setor do teatro onde não costumava ficar. Ele adorava música e tinha uma voz razoável. As pessoas notavam que os dois estavam namorando e, sempre que ele cantava a canção sobre a jovem que amava o marinheiro, ela sentia um agradável acanhamento. Ele gostava de chamá-la de Poppens, carinhosamente. A princípio a ideia de ter um namorado não passara de uma empolgação, mas logo começou a gostar dele de verdade. Frank contara-lhe histórias de países distantes. Começara a vida como taifeiro ganhando uma libra por mês a bordo de um navio da Allan Line com destino ao Canadá. Disse-lhe também os nomes de todos os navios em que viajara bem como de diversas companhias de navegação. Velejara pelo estreito de Magalhães e contara-lhe histórias a respeito dos terríveis habitantes da Patagônia. Estabelecera-se em Buenos Aires, dizia ele, e voltara à velha terra natal apenas para passar férias. O pai dela, obviamente, descobrira o namoro e a proibira de sequer dirigir-lhe a palavra.

— Conheço bem esses marinheiros — ele dizia.

Um dia o pai discutira com Frank e a partir de então ela fora obrigada a encontrar-se com o namorado às escondidas.

A noite aprofundava-se na avenida. O reflexo branco de duas cartas que tinha ao colo se tornava indistinto. Uma era para Harry; a outra, para o pai. Ernest era seu irmão preferido, mas também gostava de Harry. O pai estava ficando velho, dava para notar; sentiria a falta dela. Às vezes, ele sabia ser agradável. Há pouco tempo, quando ficara acamada um dia inteiro, ele lera para ela um conto de terror e preparara-lhe umas torradas. Em outra ocasião, quando a mãe ainda estava viva, fizeram juntos um piquenique em Hill of Howth. Lembrava-se do pai colocando o chapéu da mulher para divertir as crianças.

Estava chegando a hora mas ela continuava sentada à janela, com a cabeça encostada na cortina, aspirando o cheiro de cretone empoeirado. Lá embaixo na avenida ouvia um realejo tocando. Conhecia a canção. Estranho que o realejo surgisse ali naquela noite, como que para lembrá-la da promessa que fizera à mãe, de preservar o lar unido enquanto pudesse. Lembrou-se da noite em que a mãe morrera; era como se estivesse novamente no quarto fechado e escuro do outro lado do hall e lá fora ouvisse a melancólica canção italiana. Na ocasião, deram seis pence ao tocador de realejo e pediram-lhe que fosse embora. Lembrou-se do pai voltando ao quarto da enferma com um andar emproado, exclamando:

— Italianos desgraçados! O que eles querem aqui?

Enquanto divagava, a visão deplorável da vida que a mãe levara tocou-a no fundo da alma — uma vida de sacrifícios banais culminando em loucura. Estremeceu quando voltou a ouvir a voz da mãe repetindo com uma desvairada insistência:

—Derevaun Seraun! Derevaun Seraun!

Levantou-se num sobressalto de pavor. Fugir! Precisava fugir! Frank a salvaria. Daria uma vida a ela, talvez, quem sabe, até amor. E ela queria viver. Por que haveria de ser infeliz? Tinha direito à felicidade. Frank a tomaria nos braços, a abraçaria. Ele a salvaria.


Lá estava ela no meio da multidão ondulante na estação de embarque de North Wall. Ele segurava-lhe a mão e ela sabia que estava se dirigindo a ela, repetindo alguma coisa a respeito das passagens. A estação estava repleta de soldados carregando malas marrons. Através dos largos portões do embarcadouro ela podia ver o vulto negro do navio, atracado ao longo do cais com as vigias iluminadas. Ela nada respondia. Sentia o rosto pálido e frio e, num labirinto de aflição, rezou pe­dindo a Deus que lhe guiasse, que lhe apontasse o caminho. O navio lançou dentro da névoa um silvo longo e triste. Se partisse, amanhã estaria no mar ao lado de Frank, navegando em direção a Buenos Aires. As passagens dos dois já estavam compradas. Seria possível voltar atrás depois de tudo o que ele fizera por ela? A aflição que sentia lhe provocava náuseas e ela continuava a mover os lábios rezando fervorosamente em silêncio.

Um sino repicou em seu coração. Deu-se conta de que ele lhe agarrara a mão:

— Vem!

Todos os mares do mundo agitavam-se dentro de seu coração. Ele a estava levando para esses mares: ele a afogaria. Agarrou-se com as duas mãos às grades de ferro.

— Vem!

Não! Não! Não! Era impossível. Suas mãos agarraram-se ao ferro em desespero. No meio dos mares ela deu um grito de angústia!

— Eveline! Evvy!

Ele correu para o outro Lado do cordão de isolamento e a chamou, para que o seguisse. Gritaram para que fosse em frente, mas ele continuava a chamá-la. Ela o encarava com o rosto pálido, passivo, como um animal indefeso. Seus olhos não demonstravam qualquer sinal de amor, saudade, ou gratidão.”





(Publicado no livro “Dublinenses”, usando a técnica conhecida como fluxo de consciência, o conto “Eveline” é considerado uma das obras-primas de James Joyce /Conto publicado no livro “Dublinenses”, editora Siciliano. Tradução de José Roberto O’Shea.)