quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Houve uma vez um carnaval...





















HOUVE UMA VEZ UM CARNAVAL E O MENINO QUE FAZIA ANIVERSÁRIO
NA TERÇA-FEIRA GORDA

Por Hélio Jorge Cordeiro

Segunda-feira gorda, terça-feira gorda... Realmente eu não sei se é por muita fartura ou se é em homenagem ao deus Momo. Isso mesmo, deus! Segundo algumas fontes, Momo era o deus dos escritores e poetas, espírito mal-intencionado e um crítico injusto. Nenhuma novidade. Todo crítico parece ser sempre injusto, pelo menos para os criticados, mas deus dos escritores e poetas?! Pelo menos eu não vi nenhum adepto das letras daqui se esbaldando nos festejos dedicados a ele, Momo. Esse deveria ser o nome de um sabão em pó só pra lavar fantasias de carnaval!

Para mim, a segunda-feira gorda sempre foi um dia meio híbrido: nem tudo abre nem tudo fecha ou vice e versa. Resolvi seguir à risca o que havia me prometido fazer no dia: “Vou fazer algumas obrigações domésticas e, em seguida, quero ver como a cidade se comporta com a alegria dos outros.”

É isso mesmo, a alegria dos outros, já que a cidade do outro lado do rio se veste com peruca, sutiã, saia, calcinhas e marias-chiquinhas e outros badulaques próprios do sexo feminino e se solta. Ou será que é ao contrário, as pessoas daqui é que vestem peruca, sutiã etc., e vão pra lá se soltarem? Bom, o movimento estava tão intenso que pensei: “É isso aí, festa boa é mesmo na casa dos outros.” É que eu tive a sensação de que toda Itajaí tinha ido embora para Navegantes se esbaldar. Meu Deus! Era gente a dar com pau na grande arca da travessia!

Ao chegar ao mercado público, fui direto ao meu reduto boêmio, onde faço minha purgação. Purgação no bom sentido, é claro. Ao chegar, vejo a jovem gerente do Café e Cultura dando um trato no chão do estabelecimento; isso me fez sentir como se eu estivesse nas escadarias do Bonfim, na velha Bahia de Castro Alves, do Abaeté, das noites de magia e do candomblé, como diz o samba-enredo. “Só falta água de cheiro!”– pensei alto levantando os pés para não vê-los molhados.

Olhei pro outro lado do rio e comecei a escutar alguns sons que me diziam: “Hoje é mesmo carnaval!”

Terminada a lavação, pedi uma cerveja e me sentei na calçada que dá vistas para o grande rio. – Não existem mesas naquele lado, mas pedi um banquinho, aliás, dois, um para mim, outro para cerveja – companheirismo é isso! – e fiquei lá quieto só observando um bloco que subia e descia. Esperem, o bloco era de gaivotas que, assanhadas, voavam de um lado pro outro, para cima e para baixo.

O movimento de carros começou a se acentuar, assim como, a minha sede. Dei mais umas boas goladas na “loirinha”. As pessoas chegavam de carro, estacionavam no terreno em frente, agitadas, ansiosas. Algumas, fantasiadas de mulher, outras, de arremedo de mulher e outras, de alguma coisa que lembrava bem de longe as duas primeiras opções.

Bom, o sol ainda se fazia soberano no firmamento, mas o calor aos poucos foi dando lugar a um arzinho frio e, de repente, começou a soprar uma brisa, digamos assim, argentina. “Tudo bem, é segunda-feira gorda e estamos em pleno carnaval.” – eu pensei tentando me consolar. Fiquei firme no meu lugar, com brisa e tudo. Logo, uma cerveja se foi e, mais rápido ainda, outra logo veio – rei morto, rei posto!

Continuava o fluxo de gente em frente ao mercado, pra lá e pra cá, aliás, mais pra lá do que pra cá. De repente, parou! “Cadê o povo?!” – me perguntei, surpreso. As pessoas tinham sumido! Tentei relaxar, mas o barulho que vinha do outro lado do rio contrastava com o silêncio que se formara do lado de cá. Silêncio, aliás, que não perdia para nenhum mosteiro beneditino da Capadócia.

Como a brisa estava mais pra Riquelme do que pra Júlio Baiano, me recolhi para o interior do recinto e, mais uma vez, me deixei relaxar. Todavia, não estava satisfeito com o silêncio. Aquilo me incomodava. Então fui para fora, para calçada, equilibrando minha tulipa – não a flor, mas o copo onde se costuma abrigar uma cerveja bem geladinha. Não demorou, apareceu Claudinha, parceira de bar, e com ela uma amiga. Tinham vindo de Navegantes. “Que bom, notícias frescas da folia!” – pensei com uma alegria quase orgástica.

Papo foi, papo veio, curiosidade satisfeita, aí, para minha surpresa, chegou nada mais nada menos que André Pinheiro. – seu sobrenome poderia ser carvalho, imbuia, jacarandá ou qualquer outra madeira nobre. Todas lhe cairiam muito bem, pois se trata de um sujeito muito legal. Foi realmente uma surpresa. Faço aqui uma confissão: eu achava que André era uma entidade da umbanda que descia apenas no Sarau Benedito. Não, ledo engano o meu! Lá estava ele em carne e osso e sem cabelo! Começamos a beber – eu cerveja e ele café – o que mostrava que eu e André tínhamos algo mais que incomum! – Eram agora: Claudinha e sua amiga, eu e André. Conversamos e conversamos. Tema: religiosidade! É, nem tudo é gandaia, minha gente! Esperei que alguém dissesse o que estava fazendo ali, já que o carnaval queimava os pés do povo no outro lado do grande rio. Nenhuma justificativa plausível foi posta à mesa, então demos continuidade ao falatório sem mais preocupações.

Ficamos a conversar por lá um bom tempo, até que cada um decidiu ir embora, aliás, eles decidiram ir embora, mas eu não! Fiquei mais um pouco na esperança de me sentir realmente em plena segunda-feira gorda de carnaval. Não deu! Assim, diante dos fatos, decidi fechar a conta e saí andando com os meus próprios pés! Como diria frei Damo: “Cioè uno miracolo!”

Segui pelo centro até a igreja matriz sem ver uma alma viva. Aliás, como diz a santa madre igreja católica: a alma não morre nunca! Quando despontei na frente à edificação religiosa, vi um pequeno aglomerado de pessoas à beira do lago artificial! Todos se deliciando com as iguarias do Medonho. Sujeito simpático, o Medonho. –“Pior seria se o nome dele fosse Simpático, porém um sujeito medonho!” – pensei aliviado. Fui até ele e o cumprimentei como sempre fiz ao longo desses anos em que moro em Itajaí e como seu hot-dog. Adquiri um exemplar de sua iguaria e segui mastigando o quitute pela isolada, desértica e solitária Rua Brusque. Êpa! Não é bem assim, havia gente andando nela!

À minha frente, ia um casal, que seguia discutindo. Ela o arguia querendo saber por que ele não assumia a relação com ela. Já ele, se desculpava com vários “Você não entende, nega!”. Não quis intervir, mesmo porque eu tinha me engasgado com o excesso de ervilhas na guloseima do Medonho, então me apressei e passei os dois. Foi como se estivesse na São Silvestre, em 1º de Janeiro, em SãoPaulo. Ah, não gosto de rompimentos. É triste, é chato e dói para cacete.

Continuei à frente dos dois dissidentes amorosos e fui dar de cara com um grupinho de rapazes que andavam à nossa frente, cujo papo era sobre um deles que estava trajado de “mulher”. Zinino – acho que era o nome do gajo! – tinha sido vítima de uma mão-boba em Navegantes e estava fulo da vida, porque todos estavam afirmando ter acontecido, de fato, o assédio à sua região do glúteo. Só para registrar: O sujeitinho tinha um bundinha de fazer inveja a qualquer tanajura chamando chuva em pleno verão. Bom, permaneci caminhando bem atrás deles. – Eu disse “deles” e não “dele”. O tal de Zinino afirmava, categoricamente, que ninguém tinha passado mão na bunda dele, enquanto seus amigos – amigos?! – diziam o contrário e se lascavam de tanto rir. Assim foi até eu decidir deixá-los para trás – pôxa, não aguento gente que não diz a verdade!

Estava terminando o “medonho” quando, de repente, apareceu em minha frente um menino que me seguiu emparelhado. Não sei de onde o danado saiu! Ele me olhou e perguntou: “Quantas horas? – “São meia-noite e dez.” – “Puxa, já é o meu aniversário! - “Ei, é o seu aniversário? Quantos anos você faz? – “Faço doze anos!” – “Parabéns! – “Obrigado!” – “Olhe, tenha juízo!” Fez-se então um silêncio próprio das noites de Itajaí, numa madrugada de carnaval. Para não ficar assim, eu então lhe disse: “Assim como você, eu também fiquei feliz quando eu fiz os meus doze anos! Aproveite.” Ele apenas deu um sorrisinho e disse um inaudível tchau. O menino entrou numa casa e eu segui em frente, agora sozinho.

Na rótula do Posto Presidente, soprou uma brisa e, com ela, veio uma sensação tão boa, que realmente achei que estava numa segunda-feira gorda da minha infância em Recife!

Ah, eu só fui ver gente outra vez, pela manhã, quando me acordei e fui ao espelho, mas daí já era terça-feira gorda e o menino, quem sabe, estivesse ansioso para ver seus presentes e soprar suas doze velinhas lá pelo fim da tarde.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Porque preservar a história


Quando se ama sua aldeia e a quer para à história, preserva-se. Assim é Aix-En-Provence, por ela passaram os romanos que construíram termas, entre outras cositas bobas. Aqui está uma vista de uma das principais vias da cidade, a  Cour Mirabeau. Uma espécie de Hercílio Luz local, só que mais velha e cheia de bares, restaurantes, lojas, bancos, farmácias, corretores imobiliários, charutaria, feirinha de artesanato quase todos os dias, enfim, o escambáu (palavra muito comum nos anos 70!).